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23 de janeiro de 2008

Que amor não me engane

O céu, a terra, o vento sossegado...
As ondas, que se estendem pela areia...
Os peixes, que no mar o sono enfreia...
O nocturno silêncio repousado...

O pescador Aónio, que, deitado
Onde co vento a água se meneia,
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não pode ser mais que nomeado:

- Ondas – dezia – antes que Amor me mate,
Tornai-me a minha Ninfa, que tão cedo
Me fizestes à morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.
-
-
Amor é um fogo que arde sem se ver,
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
-
"Para fazer amor, para mim, é sempre necessário amor e paixão, e por isso mesmo é fazer sexo, duro e puro, selvagem de preferência." - escreve a Maria Faia dois posts abaixo.
Para comentar esta afirmação, escolho começar com dois poemas de Camões: um, o primeiro, que eu não hesito nunca em colocar na lista dos dez mais belos poemas da língua portuguesa; outro - "Amor é fogo que arde" - que não hesito nunca em colocar na lista dos dez mais infelizes poemas da literatura universal.
Um verbo os separa e qualifica: o verbo ser.
Em "O céu, a terra, o vento sossegado" o verbo ser aparece uma vez, uma única vez, na forma negativa e para declarar que o nome amado não pode ser mais do que nomeado, que nomear o nome do Amor é deitar ao vento a voz que o vento há-de levar.
Inversamente, o segundo e infeliz soneto está saturado do verbo ser, saturação que o oxímoro que sempre se lhe segue não logra atenuar.
Um verbo, qualquer verbo, é sempre uma entidade demasiado concreta para poder ser usada ao falar do amor (por isso, o verbo é sistematicamente omitido no primeiro soneto; também por isso, ele é tão belo). O verbo ser é o mais concreto de todos os verbos e, por consequência, o pior para alcançar esse êxtase diáfano, transcendente, indefível que ocorre quando digo "AMO".
E talvez esteja aí, no "AMO", a linha ténue da fronteira entre o amor, a paixão, o sexo e o fazer amor, fazendo sexo.
"AMO" - grita desesperado ao vento o pescador Aónio, nomeando o nome amado que, à morte sujeito, não pode ser mais do que nomeado. "AMO" - chora o pescador Aónio, sabendo que o seu verbo nunca se fará sexo, nunca devirá fúria orgásmica, nunca chegará a ser "AMO-TE".
Mas, quando alguém fala de AMOR, nunca sabe do que fala.

5 comentários:

xistosa, josé torres disse...

Hoje necessito de ajuda, para concertar ideias sobre este atentado à nossa, PORTUGUESA, aversão.
Está aqui:
http://belgiumtugadois.blogspot.com

xistosa, josé torres disse...

Penso que a beleza do 2º poema está mesmo na combinação das palavras tão incongruentes, (para quem pensa assim).
Daí o oximaro, que quanto a mim não tem paralelo a nível mundial!
Posso estar enganado, não tenho o dom da verdade, mas nunca li nada tão ... sublime, como este poema.

António Conceição disse...

Não podia estar em maior desacordo.
O oxímoro é recurso estilistico dificílimo que raramente se pode usar com felicidade. No caso do soneto "Amor é fogo que arde", a sua utilização é infelicíssima.
Repare bem:
- "É fogo que arde sem se ver" - isto pode dizer qualquer um de nós ao médico que nos atende na urgência do hospital, depois de termos bebido lixívia;
- "É ferida que dói e não se sente" - é exactamente o que sente a mulher que acaba de descobrir que tem um cancro da mama;
- "É um contentamento descontente" - parece que se está a descrever os sentimentos de um tipo que vê em directo o sorteio do totoloto e verifica que fez um cinco, falhando o último número. Ganha umas centenas ou uns pouco milhares de euros, mas ficando á beira de ganhar uns milhões.
Vale a pena continuar?
O poema é fraquíssimo. Até o Torga o conseguia escrever.

Luís Maia disse...

Ao ler o último comentário de Funes, lembrei-me duma personagem da BD brasileira o "Amigo da Onça" na forma como analisa o poema de Camões.
Idêntico raciocínio poderíamos seguir para o poema do pescador Aónio, também camoniano , mas aqui servindo de exemplo.
Na poesia, como no sexo e afinal em tudo o que tem que ver com sentimentos, com a subjectividade de cada "sentir", também se não devem discutir, como aliás Funes conclui e muito bem no seu post quando diz

Mas, quando alguém fala de AMOR, nunca sabe do que fala.

maria faia disse...

O Funes "agarrou-se" à questão do verbo ser.
eu não sou poeta.
O primeiro poema fala de um amor realizado, mas desaparecido
O segundo poema fala de um amor não correspondido, ma minha maneira de ver.

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