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14 de janeiro de 2008

DE PEQUENINO, DE MUITO PEQUENINO

Há muito e muitos anos, há tantos que nem deles há memória nos livros, numa pequena aldeia cheia de sombras e frescuras de uma farta linha de água que aos animais dava bebida e aos homens permitia o abastecimento dos poços dos seus quintais, viva só, em sua casa e nas memórias cheias de negrume, um velho tão velho que já a ninguém ocorria a recordação de quando fora moço e como mal falava com os seus vizinhos, dado passar os dias na sua busca de alimento esmolado e nas orações que, a seu ver, lhe permitiriam resgatar a culpa perante Ele, nem mesmo os de mais avançada idade, ninguém era capaz de dizer se ele ali havia nascido e sempre habitado ou se, como tantas vezes sucede, teria vindo de alhures para estabelecer a sua vida e dos seus. Fosse como fosse, pouca importância isso tinha, pois não lhe conheciam família e, se por acaso ela existisse, o pobre homem também dela não falava.
Um dia seguia ele pelo caminho de uma outra aldeia das redondezas onde deveria obter uma recompensa por um trabalho de oleiro em que outrora foram mestre, quando lhe apareceu pela frente um bando de homens de cara tapada que logo o rodearam com a evidência de propósitos assustadores.
“-Nada temas, velho homem.” –Disse-lhe aquele que parecia ser o chefe e que de imediato se mostrou interessado em saber pormenores a seu respeito.
Que mal tinha ele feito para andar por ali, com aquela idade, ainda forçado a ganhar o sustento de todos os dias?
Ora se ele não tinha quem lhe valesse, a não ser um filho, o seu único filho que tanto alegrara a união com a sua Sara que Deus já levara deste mundo, mas que um dia saíra de casa zangado com ele e a mãe, praguejando e ameaçando não mais voltar, como de facto veio a acontecer, pois em tais circunstâncias como poderia ele deixar de levar a cabo a sua labuta?
Do filho não mais tivera novidades e tantos anos tinham passado sobre a sua ida que, se o visse, jamais seria capaz de o reconhecer e tudo aquilo se passara, afinal, devido à sua casmurrice de o querer obrigara aprender o mesmo ofício a que o rapaz se mostrava avesso, doido que viva pelas brincadeiras e namoricos. E, para falar com verdade, nem ele nem a sua Sara tinham feito o que quer que fosse para que o miúdo tivesse aprendido, nem mesmo os mandamentos ele sabia e de tão preocupados que estavam com o trabalho e as agruras de todos os dias, nunca tinham tido qualquer preocupação séria de que ele aprendesse princípios e sabedorias, engenhos e capacidades.
O arrependimento era já muito antigo mas, tal como o meliante lhe disse então, nada restava que pudesse ser feito e de pouco lhe serviria dizer que se voltasse atrás agiria de modo diferente.
“-Pois é, meu bom homem.” –Falou o chefe da quadrilha, dando-lhe para a mão um molhe de feixes de salgueiro ainda jovens e frescos, ao mesmo tempo que lhe perguntou: “-Serias tu capaz de fazer um cesto a partir destas varinhas?”
Claro que seria, como não o fazer se a matéria-prima estava boa e moldável, mesmo prontinha a ser alterada pelas mãos de um cesteiro ainda que ele não o fosse?
“-Pois então tenta lá dobrar este ramo.” –E em acto contínuo passou-lhe para a mão uns quantos ramitos secos e velhos da mesma árvore.
O velho deixou as lágrimas caírem-lhe, horrorizado por não poder apagar o tempo passado e ali acabou por morrer chorando, com o saco de moedas que o outro lhe deixara na mão.

2 comentários:

Anónimo disse...

gosto mesmo muito das tuas parábolas!

Esta é linda!

Anónimo disse...

Quanto mais leio, mais gosto.

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