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30 de dezembro de 2008

Ano novo em vida velha

Casa Comum, 2 de Janeiro de 1932

Minha cara amiga

Hoje tenho estado a ouvir o Russ Colombo numa miscelânea de êxitos de 1929, com a particularidade dele tocar violino e cantar, e outros êxitos como o Prisioner of love, ou o fantástico Paradise,

Enfim uma tarde a ouvir a música mais actual que vem lá fora como A Tear, a Kiss, a Smile, cantado pela Bebe Daniels e o Everett Marshall e a Janet Gaynor cantar aquela coisa do George Gershwin Somebody From Somewhere.

Foi assim que entrei o ano, embora preocupado, sobretudo com os sinais cada vez mais fortes, da aproximação entre a nossa ditadura e estado fascita italiano de Mussolini, com a chegada ontem do Italo Balbo, o ministro do Ar do Duce.

Em Outubro do ano passado, o conselho de Ministros, decidiu criar um Conselho Político Nacional, uma estrutura consultiva, composta por representantes dos sectores apoiantes da Ditadura coordenados pelo "chefe supremo" Salazar, mas essa decisão de Outubro, só agora em Dezembro teve a sua constituição oficializada, presidida pelo Carmona e que integra, Salazar, Armindo Monteiro, Manuel Rodrigues, Martinho Nobre de Melo, Mário Figueiredo e José Alberto dos Reis.O objectivo deste orgão consultivo. tem uma tarefa central, a preparação duma nova constituição, claramente é a Ditadura à procura da sua legalização.

É a resposta à tentativa da revolta dos aviadores de 26 Agosto, que durou 9 horas e cerca de 40 mortos. Entre os líderes da revolta o tenente-coronel Utra Machado, o major-aviador Sarmento Beires, Dias Antunes, Helder Ribeiro e Agatão Lança. mas com a participação de vários aviadores.

Como vc sabe o Sarmento de Beires, do partido Republicano, já tem história na oposição, pelo menos desde o golpe de 20 de Julho de 28, estando desde essa altura na clandestinidade e que por aí continuou, já que não foi apanhado, escapando ao destino dos outros, a deportação para Timor

Revolta foi derrotada pelas forças do governador militar de Lisboa, brigadeiro Daniel de Sousa. O planeamento da revolta falhou por completo pois estava planeado ser desencadeada ao mesmo tempo que a da Madeira.

Vamos ver o que vai dar este ano novo.



27 de dezembro de 2008

Manifestações orquestradas e novas polícias

Casa Comum, 30 de Setembro de 1931

Minha cara amiga

Primeiro as más notícias.penso que não sabe do falecimento em Abril de Henrique Oswald, o compositor brasileiro, como vc sabe foi um dos compositores mais importantes deste nosso tempo. Soube que ele tinha morrido em Junho, no Rio de Janeiro com 79 anos. Enfim um brasileiro, que matizou a sua obra, entre os coloridos da sua terra e as influência europeias, através dos seus estudos em Florença.

Prometi eu, começar com as más notícias, como se houvesse boas nesta terra. Pelo menos no que toca a novidades da vida política é sempre mais do mesmo.Agora o Salazar inventa truques de maquilhagem, como a dissolução da odiosa Polícia de Informações do Ministério do Interior, passando-a para a PSP, mas também incorpora a polícia Internacional Portuguesa, no Ministério do Interior. Não se espera nada de diferente, já que a esta polícia, que até agora tinha como missão vigiar fronteiras, irá ter por certo nova funções, já que Salazar tem evidentemente duas obsessões a Maçonaria e o Comunismo.

Em Maio no dia 19 o Lopes Mateus do Interior, mandou fechar e selar o edifício do Grémio Lusitano, a sede nacional da Maçonaria. Um dos últimos acto do Mateus, já que acabou por transitar para a Guerra substituindo o Schiappa de Azevedo

Os ataques à maçonaria e à centrais sindicais, não abrandam, quer à de predominância anarquista (CGT), quer a que os comunistas pretendem organizar a Comissão Inter-Sindical, na clandestinidade por forma a poderem substituir os sindicatos entretanto extintos.

Nada disto porém foi feito ao acaso ou de surpresa, a Ditadura preparou bem esse ataques, primeiro organizando uma manifestação espontânea gigantesca em 17 de Maio, de apoio a Salazar e a Carmona. Comboios especiais transportam para Lisboa, os "partidários da Ditadura", para uma concentração em Belém, perante o Carmona, comício no Teatro S.Carlos e no Coliseu ( a ópera buffa portuguesa no seu melhor) e o inevitável discurso do salvador da Pátria, desta vez com o título sublime "O interesse nacional da política da Ditadura". Parece que o Domingos de Oliveira o palhaço chefe do governo também discursou, mas francamente acho que ninguém lhe ligou.

No 28 de maio, mais um aniversário da "revolução nacional", já vai no 5º e mais uma organização da embrionária União Nacional, com a predominância tónica nos adversários habituais.

As manifestações de desagrado e resistência possível, limitou-se a uma bomba em Lisboa no Alto do elevador de Santa Justa e alguns tumultos na Rua do Carmo.

Quero entregar-lhe em mão o 1º número do jornal Avante, do Partido Comunista Português, que vc, muito embora não sendo bolchevique (tal como eu), não deixará de ler com muita atenção, mas com o máximo cuidado, por causa da polícia.

19 de dezembro de 2008

Dois meses de revolta armada

Casa Comum, 31 de Maio de 1931

Pois é verdade a minha amiga Severa sempre deixa para mim a codêa e come o miolo, que é como quem diz, a sensaboria das politiquices, reservando-se para o fascínio das artes.

Curiosamente parece que a substituição na pasta da guerra de Namorado de Aguiar por Schiappa de Azevedo, por desvarios conspirativos para derrube do Salazar, que "namorando" o Ivens Ferraz, trocavam segredinhos para o fazer saltar.

Consta-se que o homem têm ouvidos nas costas e adivinhou antes do tempo certo, ou talvez que não passasse de boataria, que a intriga também é muita e você, bem sabe como é esta gente da nossa terra.

Pelo sim pelo não, o Salazar não se mete com o general Ferraz, sempre é o Chefe máximo do Estado-Maior e com militares nunca se sabe.

Falando em guerra, estes 2 meses últimos foram em polvorosa, revoltas militares na Madeira, nos Açores e na Guiné, é obra.

Na Madeira começou em 4 de Abril e durou 28 dias, sob o comando da Junta Revolucionária da Madeira, presidida pelo General Sousa Dias, criou um embrião de governo provisório que tomou medidas de alcance económico e social, e que foi um pouco o feitiço contra o feiticeiro, pois teve origem nos deportados pelo regime para a Madeira que, seriam cerca de 200, entre civis e militares, numa altura em se sentia o descontentamento por sucessivas lutas da população da Madeira contra medidas do governo central de que é bem conhecida a "revolta da farinha" e os apertos orçamentais, que sempre aleijam mais o mais fraco.

Sendo assim minha amiga, foi como juntar a mexa ao trapo, mas 28 dias de resistência foi heróico, porém já foram derrotados pelas "forças leais ao governo", como eles dizem.

Nos Açores, o comandante Maia Rebelo, o capitão de mar e guerra João Manuel de Carvalho, o major Armando Pires Falcão e o sidonista Lobo Pimentel, chefiam o levantamento e aderem à revolta as ilhas de S. Miguel, Terceira, Graciosa e S. Jorge.

A 17 de Abril, na Guiné, prendendo o governador e não encontrando resistência, forma-se então uma Junta Revolucionária, naquela província, que formula a mesma luta contra Lisboa.

A desigualdade de forças, determinou o fim de todas estes levantamentos, afinal também reflexo da depressão de 1929, que como sempre nestes casos chega sempre mais tarde às economias mais débeis. A crise monetária europeia no início deste ano, fez-se sentir, nos seus efeitos bancários e cambiais, também em Portugal.

O governo de Oliveira Salazar encetou um conjunto de medidas restritivas, começando pelo orçamento de 1931/32, para o qual se prevê um decréscimo de 7,8% nas despesas, com um superavit de 1900 contos, mas com efeitos devastadores para as classe mais desfavorecidas.

Que importa ao homem das finanças, se o povo passa fome, o que lhe interessa é aferrolhar, poupar os 1900 contos de reis, é o que importa.

Não me esqueci da vitoria Republicana em Espanha, devem vir a dar-me por certo motivos para sorrir, mas foi só há mês e meio, em 14 de Abril, estou a reunir umas informações que depois lhe conto.

Como é habito acabar-se com música deixo-a com o hino da Segunda Republica Espanhola

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13 de dezembro de 2008

Uma passagem pelas coisas belas da vida

Casa Comum, 30 de Abril de 1931

Meu amigo

Já há muito tempo que aqui não deixo ficar nada, mas quando apareço trago novidades. Você sabe que o Leitão de Barros acabou um novo filme, por acaso o primeiro filme sonoro português, a que tive o privilégio de assistir em audição privada para amigos, já que a estreia está prevista lá para o mês de Junho no São Luiz.

A história é passada no século dezanove e narra as aventuras dum jovem cavaleiro, D. João, Conde de Marialva, dividido pelo amor da mítica e insinuante cigana Severa - a quem a lenda consagrou como fadista desditosa - e uma fidalga. Enredo ambientado nas lezírias e nas touradas.

Adaptação da obra homónima da autoria de Júlio Dantas. Entre os vários colaboradores de Leitão de Barros neste filme conta-se o cineasta francês René Clair, na planificação do filme.

Deixo-lhe um cheirinho do filme, um fado cantado pela protagonista Dina Teresa.





Como sempre mais virada para as questões da cultura, deixo-lhe a tarefa de comentar as politiquices nacionais e internacionais, esta que se vivem agora com as nossas revoltas internas sobretudo a da Madeira e Açores.

Falo-lhe da morte de Anna Pavlova, a maior bailarina de sempre. Russa de São Petersburgo e que morreu em Haia, com 50 anos, no dia 23 do passado mês de Janeiro.



Não posso acabar sem lhe recomendar o último do Charlie Chaplin o City Lights, porque sei o quanto vc aprecia o Charlot.

8 de dezembro de 2008

Chega mais um ditador

Casa Comum, 31 de Dezembro de 1930

Getúlio Vargas assume a presidência interina da República do Brasil, na sequência do golpe militar que depôs o presidente Washington Luís do passado dia 24 de Outubro.

É um gaucho, mas descendente de família açoriana, foi ministro das Finanças do presidente deposto, cargo que abandonou para assumir a presidência do Rio Grande do Sul.

Foi nomeado interinamente para a presidência do governo provisório com amplos poderes. A constituição de 1891 foi revogada e Getúlio passou a governar por decretos,

Como sabe cara amiga, isto chama-se governo de ditadura, mais um, nestes tempos conturbados da história das nações onde se degladiam as novas ideias republicanas de liberdade democrática, com a imposição pela força de conceitos normalmente conservadores e reaccionários.

Por cá as prisões aos que não beijam o anel ao regime, continuam a ser o destaque. O regime ditatorial, dia após dia endurece a sua atitude. Um presumível golpe foi o mote para a prisão de vários chefes republicanos como Sá Cardoso, Helder Ribeiro, Augusto Casimiro, Rego Chaves, Ribeiro de Carvalho, Maia Pinto, Correia de Matos, Pinto Garcia e Carlos Vilhena

Já tinham sido detidos em Maio João Soares, Moura Pinto, Tavares de Carvalho, Carneiro Franco, Raul Madeira e Cunha Leal. Tudo por causa de um presumível golpe, marcado para o dia 21 de Julho.

O mês de Julho, talvez pela força do calor, foi muito intenso, minha amiga, para o regime, não foram só as prisões e as deportações, o regime tenta organizar-se optando pela criação de um partido-estado, com uma ideologia denominada de nacionalismo-histórico, uma invenção que remete para o passado histórico e quanto a mim de "retoma monárquica", como não pode deixar de ser atendendo ao passado de 8 séculos de vida monárquica.

Nem ponta de ar fresco ou abertura, ás novas correntes do pensamento político moderno, dando oportunidade a algumas medidas socializantes de opção mais liberal, não, tudo é definido como cultura fechada e passadista. Uma política saloia, ferrugenta e beata.

É isso que anuncia a criação da União Nacional, papagiada pelo general-ministro Oliveira o dos Domingos, que leu o texto constitutivo desse partido enquanto o agora só ministro das Finanças o outro Oliveira, o de todos os dias, lia a teorização política do novo partido, com um discurso chamado Princípios Fundamentais da Revolução Política onde criticou as desordens cada vez mais graves do individualismo, do socialismo e do parlamentarismo.

Ao menos Getúlio Vargas tem para já uma coisa positiva o seu gosto pela música, (do nosso botas nada se sabe) talvez por influência de Heitor Villa Lobos, introduziu a disciplina de canto coral nas escolas de ensino médio em todo o Brasil.

Fica, para a minha amiga mais um vez a homenagem a Heitor Villa Lobos, o Trenzinho do Caipira, que como você sabe é o 4º movimento da Bachianas nº 2 os meus votos dum ano de 1931 um pouco melhor.




3 de dezembro de 2008

Domingos Oliveira o verbo de encher

Casa Comum, 31 de Maio de 1930

O tempo passa célere minha cara amiga Severa e já passaram 4 anos, desde o fim da república, consignado no golpe militar conduzido por Gomes da Costa, a "Revolução Nacional" como lhe chamam, os apaniguados da ditadura e lá foram os militares "generalados" ao beija mão a Salazar, numa sessão realizada na sala do Risco do Arsenal do Alfeite da Marinha, em Lisboa.

O Domingos de Oliveira a fingir de presidente do governo, chamou a atenção, para a necessidade de preparação da "nova ordem constitucional coma organização política civíl, que possa manter e continuar a obra da Ditadura, garantir a normalidade da vida pública concorrer decisivamente pata o fortalecimento e felicidade da Pátria".

A normalidade da vida pública, disse o chefe do governo, que como sabemos se assegura prendendo e deportando as vozes que se levantam em oposição como a de Cunha Leal, que depois duma estadia no Aljube, foi transferido para Ponta Delgada.

Essa é a normalidade da Ditadura, pois como você sabe também estão presos João Soares, Moura Pinto, Tavares de Carvalho, Carneiro Franco e Raúl Madeira.

Aliás pouca importância teve o discurso de Domingos Oliveira, a palavra do ministro das Finanças e das Colónias é que era aguardada, determinando de novo quem era o verdadeiro estratega do regime.

A palavra de ordem central de Salazar, centrou-se no Acto Colonial que foi publicado no passado dia 8. de acordo com a lógica da ideologia imperial de Portugal enquanto potência colonizadora.

Olhe minha querida vamos à música que é o que verdadeiramente nos enriquece e aquece a alma, nada como Beethoven , que me diz ao 3º Piano Concerto op. 37 ?







30 de novembro de 2008

as Imagens valem mais do que mil palavras(I)

As imagens que ilustram os últimos posts publicados

O "Mago Tirano" das Finanças. Ficam as imagens e os factos dessa época, os primeiros tempos do fascimo português.

26 de novembro de 2008

Em Angola gritou-se pela autonomia

Casa Comum, 31 de Março de 1930

Carissima amiga

Como pode alguém ficar indiferente, perante a resistência a luta persistente de Mahatma Gandhi e seus discípulos e o seu protesto contra o domínio inglês na Índia

Como você sabe minha amiga a soberba inglesa espalha por todo o Império , não só essa mesma toleima, como usa a sua bota militar, para calcar, mesmo nas coisas mais insignificantes, todos os seus súbditos, que como sabemos, insiste em considerar como meros escravos. A razão da luta do pacifista Gandhi ganha por isso contornos de grande dignidade


Repare, que os indianos (e não só), são obrigados a comprar todos os produtos industrializados da Inglaterra, sendo proibidos inclusivamente de extrair o sal no seu próprio país, que acaba por se tornar o símbolo do colonialismo para todos os indianos.

Essa marcha começou, no dia 12 de Março como você sabe e eles vão de terra em terra, percorrendo os caminhos do País que deveria ser o deles, parando para descansar, e ganhando cada vez mais aderentes para a causa da liberdade. Quanto tempo mais aguentarão, pergunto eu ?

Então que me diz aquela história do Filomeno da Câmara em Angola ?

O Salazar depois de ter despedido o comissário Vicente Ferreira por telegrama, nomeia o militar Filomeno da Câmara, homem de confiança dos golpistas de 26 e como sempre nestes casos, não interessa sequer saber se o homem é competente. Engraxador era com certeza pois não sei se lhe chegaram a contar alguns dos decretos redigidos pela sua própria mão e publicados no Boletim Oficial de Angola, são no mínimo ridículos (por exemplo, trata o Presidente da República por "grande homem casto" .

Chega a Angola acompanhado pelo Morais Sarmento compicha de 26 e ao que parece muito pouco de fiar, e no mínimo fanático e completamente engajado as soluções fascistas tipo fusilar todos os "antipatriotas" com pretensões à independência de Angola, "liquidar os maçónicos" e dar cabo de todos os republicanos partidários da democracia "corrompida". (quem lhe terá encomendado o sermão ?).

Veja-se bem o que foi este homem como Director-Geral da Administração Pública, que incluía, quando julgava necessário, agressão física de funcionários, inclusivamente de altos funcionários.

O comissário Filomeno a páginas tantas retira-se para o sul de Angola com toda a sua família e em vez de cumprir o regulamentado, deixar a responsabilidade do governo ao seu substituto legal, o chefe de Estado Maior das Forças Armadas, como a lei determinava, confiou esse cargo ao obscuro tenente Morais Sarmento. Mais ainda: deixou-lhe folhas em branco já assinadas para que este pudesse publicar todos os decretos que entendesse.

O jovem Sarmento ao que parece terá começado a preparar um "golpe de Estado".Segundo alguns depoimentos, o seu projecto seria de prender o chefe do Estado Maior das Forças Armadas, o Coronel Genipro Almeida, e deportar centenas de opositores ao novo regime fascista português, nomeadamente no sector da maçonaria.

O chefe do Estado Maior foi mais célere e, durante a noite de 29 de Março do ano passado, cercou as forças do tenente Morais Sarmento e depois dum tiroteio , o exaltado tenente, acabou morto,

Abriram-se as hostilidades entre forças do Alto Comissário, que clamava por traição e as do Coronel Genipro, ambos reclamavam junto de Salazar também Ministro das Colónias a sua lealdade a Portugal.

Ouviram-se em Luanda pela primeira vez os gritos, pela liberdade e pela independência.

Por esta razão e por certo porque, a própria nomeação de Filomeno e de Morais Sarmento, tinham como principal tarefa, o apagar de alguns focos republicanos, maçónicos e liberais, que por Angola ainda existiam e que se conglomeraram em torno das forças do Coronel Genipro, o certo é que Salazar toma partido publicamente pelo Alto Comissário, mas no passado dia 16 de Março, deu -lhe ordem para vir à Metrópole para receber instruções, que na prática significa a sua substituição.

Todos sabemos e ele também, que os combatentes pela liberdade, ficaram em Angola, que fará ele a seguir ?

(Baseado no estudo
ANGOLA: CONFLITOS POLÍTICOS E SISTEMA SOCIAL (1928-30
por
Adelino Torres
ISEG-Universidade Técnica de Lisboa)

19 de novembro de 2008

O duplo ministro

Casa Comum, 31 de Janeiro de 1930

Há muito tempo que não lhe escrevo e muito embora nas questões políticas seja o meu amigo o mais erudito e eu mais para as artes, também não fico indiferente aos aspectos políticos.
Destaco a morte do Primo de Rivera, em Paris, no passado dia 16 de Março. Afinal o ditador espanhol, grande "farol inspirador" dos nossos governantes actuais e dos mentores do golpe original do 28 de Maio.

Contudo caiu em desgraça junto do rei e abandonado pelos altos comandos militares e pelo rei, apresentou a sua demissão e exilou-se em Paris, não sem antes recomendar a Afonso XIII alguns nomes de militares que poderiam suceder-lhe à frente do governo, entre eles o do general Dámaso Berenguer, o senhor que se segue.

Por cá continua a saga dos militares, meu caro amigo, aí está o general Domingos de Oliveira, um "velho talassa", ligado ao movimento da espadas, que levou o Pimenta de Castro ao poder em 1915. Enfim os governos e os ministros vão e vêm, mas o Finanças de Santa Comba, permanece, cada vez mais poderoso, embora com novas companhias, que duvido não seja ele a escolher.

Aliás os poderes do ministro Salazar, ficam mais que reforçados, já que ocupa a pasta das Colónias em acumulação. Curiosamente na sequência um conflito, em que o próprio Salazar, era interveniente, por causa da concessão dum crédito a Angola, que opunha as Finanças ao governador do Banco de Angola, Cunha Leal e que tinha estado na origem da queda do governo anterior.

Naturalmente que após a tomada de posse do novo governo, Salazar duplamente ministro, começa por demitir Cunha Leal, "deixando" que o Conselho de Administração, daquele banco, nomeie Mendes Cabeçadas para o substituir.

Hoje fica uma sugestão de zarzuela, já que falámos de Espanha, por razões bem menos felizes, fica um apontamento da La picola molinera, de Pablo Luna, estreada em 1928

11 de novembro de 2008

Menos um republicano em tempo de Ditadura

  • Casa Comum, 15 de Novembro de 1929 

  • As notícias vindas de Nova Iorque, são alarmantes, o que aconteceu na passada quinta-feira dia 24 com a quebra da Bolsa de Valores, bancos e investidores perderam grandes somas em dinheiro. 

  • A situação dos bancos foi agravada pelo facto de muitos deles que haviam emprestado grandes somas de dinheiro a fazendeiros, após o início duma grade recessão económica, estes fazendeiros tornaram-se incapazes de pagar as suas dívidas, cavaram enormes prejuízos, levando essas entidades bancárias ao descalabro. 

  • O pânico que instalou-se entre as pessoas, que temendo uma possível falência, correram a retirar os fundos, levando-as a fechar as portas. 

  • Consta-se que milhares de accionistas perderam, literalmente da noite para o dia, grandes somas em dinheiro. Muitos perderam tudo o que tinham. 

  • Temo que esta grave situação se venha a estender, pela Europa. Nesta caso quanto mais desenvolvidas são as economias maior é o estrondo, cá por casa, talvez não seja tão grave, porque a loja também é pequena. 

  • A procissão ainda vai no adro, vamos ver o que por ai virá. Se por um lado uma crise se avizinha, por outro algumas boas notícias para a humanidade, assim têm que ser observados, todos os avanços que possam haver no entendimento entre os povos , para defesa das garantias da condição humana.

  • Neste caso, aponto a assinatura da terceira convenção de Genebra, que teve como objectivo definir o tratamento de prisioneiros de guerra. Acabámos uma guerra há pouco tempo, tantas atrocidades foram cometidas, que urge consagrar os direitos que essas pessoas terão inerente à sua condição. 

  • Esta Convenção fixou igualmente os limites do tratamento geral de prisioneiros, como:
  • a obrigação de tratar os prisioneiros humanamente, sendo a tortura e quaisquer atos de pressão física ou psicológica proibidos.
  • obrigações sanitárias, seja ao nível da higiene ou da alimentação.
  • o respeito da religião dos prisioneiros.
  • permitir ao Comitê internacional da Cruz Vermelha (CICR) visitar todos os campos de prisioneiros de guerra sem nenhuma restrição e dialogar sem testemunhas como os prisioneiros.


  • Mas a morte de António José de Almeida a 31 de Outubro, foi para nós, republicanos e lutadores pela liberdade, uma perda terrível. 

  • Não só pelo simbolísmo de ter sido o 6° Presidente da República Portuguesa, mas por ser um Republicano desde os bancos da escola. Médico, esteve em S
  • ão Tomé a exercer a sua profissão mas especializando-se também em doenças tropicais. Ingressou no Partido Republicano Português e, mais tarde, também na Maçonaria e na Carbonária.

  • Foi eleito Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano já este ano, mas nunca pode tomar posse devido ao seu estado de saúde. 

  •  Aliás nos últimos anos, doente e prematuramente envelhecido, passou em silêncio literário e político os últimos anos de vida. 

  • O seu funeral foi uma manifestação impressionante de pesar. 

  • No dia seguinte o "Diário de Notícias" lançou a ideia de se lhe erigir um monumento, ideia que aprovo inteiramente.

8 de novembro de 2008

Está de chegada o Cerejeira

Casa Comum, 30 de Setembro de 1929

Minha cara Severa

Já ouviu falar dum tal Cerejeira ? Após a notícia do falecimento do cardeal D.António Mendes Belo, no dia 5 de Agosto, espera-se que Manuel Gonçalves Cerejeira, seja o seu substituto como cardeal-patriarca de Lisboa. Como Arcebispo de Mitilene, tem largas hipóteses, que isso venha a acontecer.

Homem dos arredores de Famalicão, é amigo íntimo do nosso homem das Finanças, já há largos anos desde os bancos da Universidade de Coimbra, formarão por certo uma dupla imparável, para mal dos nossos pecados, nada pior que uma ditadura de finanças, com a benção da Madre Igreja.

Vem ai uma campanha do trigo, com um lema "O trigo da nossa terra é a fronteira que melhor nos defende". Lema um pouco bélico, mas que traduz um objectivo concreto aumento da produção de trigo e o desenvolvimento de industrias subsidiárias, como a dos adubos e a da maquinaria agrícola.

Vamos ver se os aumentos da produção, não trarão erosão de solos e se os acréscimos de produção vão ser conseguidos à custa do aumento da área cultivada e não do rendimento.

Reveladora da admiração da nossa ditadura militar, foi o facto do Carmona ter recebido a delegação dos balilas, membros da Juventude Fascista italiana, onde vinham 2 filhos do Mussolini que por cá estiveram a 12 deste mês.

Foi este o ano do Nobel a Thomas Mann, merecido quanto a mim, muito mais pela Montanha Mágica, do que pelo Buddenbrooks a que o júri se referiu e que conta a saga duma família por 4 gerações.

A propósito do falecimento da soprano alemã Lilli Lehmann, só agora me lembrei que deixámos passar o falecimento em Maio da Condessa d Edla, a viúva de D.Fernando com quem casou em 1869, depois deste ter enviuvado, da rainha D.Maria II.

Elise Friedericke Hensler, a cantora de Ópera quase rainha de Portugal, amada pelo monarca e desprezada pela sociedade e pela história de Portugal, nunca conseguiu o reconhecimento como mulher do rei de Portugal , mas a quem por testamento D.Fernando deixou o Palácio de Pena em Sintra.

4 de novembro de 2008

A Portaria dos sinos

  • Casa Comum, 31 de Julho de 1929 

  • Minha cara amiga Severa: 

  • Isto é que têm sido tempos agitados, desde a última vez que falámos. O homem de Santa Comba esteve hospitalizado no hospital da Ordem Terceira no Chiado, mas pelo vistos não é grave, só partiu uma perna. 

  • Os amigos, dizem que o homem tem queda para as finanças. 

  • Eu acho que, às vezes há sinais , avisos que devemos respeitar, sobretudo quando se trata de quedas. 

  • Que me diz daquela coisa da Portaria dos sinos ? Como você sabe desde o tempo do Sidónio, que havia a proibição do toque dos sinos, fora das horas permitidas

  •  Uma igreja qualquer de Évora resolveu tocar os sinos fora de horas que o Governador-civil proibiu. Mete-se o arcebispo de Évora no assunto e faz queixa ao Mário de Figueiredo, que estava na chefia da Justiça e que entra a matar, publica uma Portaria, que permite manifestações públicas do culto católicos, com procissões e toques de sinos.~

  • Caldo entornado, Maçonaria em acção, e o ministro da guerra Júlio Morais Sarmento comanda protestos no próprio Conselho de Ministros e você bem o conhece como republicano, anti-clerical. 

  • Discute-se o "importantíssimo problema" e Mário de Figueiredo, impetuoso, perante a atitude contrária do ministro da Guerra e do Presidente do Ministério, apresenta o seu pedido de demissão. O nosso engessado perneta, imobilizado no hospital, quando sabe da atitude do seu companheiro de governo, escreve ao Chefe do Estado e ao Presidente do Ministério, a manifestar o seu desejo de se afastar, pretextando motivo de doença. 

  • O Presidente Carmona procurou harmonizar a situação. Figueiredo teima em manter a portaria. Sarmento obstina-se em reprová-la. O chefe Vicente de Freitas publicou uma nota oficiosa desagradável para Salazar e manda cortar pela censura uma entrevista dada pelo ministro das Finanças ao "Século",onde considera que a demissão do gabinete se filia em razões de ordem geral e não apenas por causa da portaria dos sinos. 

  • Uma coisa é certa Carmona não dispensa o Salazar, mas aceita a demissão do restante governo de Vicente de Freitas, afinal o governo a que presidia, caiu aos pés do seu verdadeiro chefe, o ungido do Senhor, o clerical Salazar.

  • Carmona, chama Ivens Ferraz para formar Governo. Salazar é o único que transita, mas o homem faz o que quer bate o pé, só entra na condição de se manter válida a portaria em causa. 

  • Você que anda lá pelo norte, deve ter sabido da reunião em Torres Vedras no passado dia 7, dos vitivinicultores do centro e sul criticando o chamado projecto de salvação do Douro, que visava proibir a entrada na região do Douro das aguardentes do Centro e do Sul.

  •  É de novo a defesa do vinho do Porto, velha questão iniciada com Pombal, mas que desta vez com o apoio nos Sindicatos Agrícolas, das Câmaras locais e da Comissão de Viticultura do Douro José Relvas, presente, considera a solução como imbecil, ele terá as suas razões, essa reacção já vem do governo de João Franco, que restaurou o regime de privilégio do vinho do Porto e que desde então, suscita larga controvérsia e a crítica de muitos agricultores de outras regiões do país, designadamente do Ribatejo.

  • Os americanos estão sempre a inventar coisas para ter a "coisa a mexer", e é desses movimentos que se gera dinheiro. 

  • Agora foi essa coisa dos Óscares, organizados pela própria indústria do filmes, para premiar os melhores. Esta primeira edição teve como vencedor do melhor filme um chamado Wings (Asas), que voce deve ter visto, é a história de dois jovens rapazes, um rico, outro de classe média, que se apaixonam pela mesma mulher, se tornam pilotos de guerra. Um filme com Clara Bow

31 de outubro de 2008

Estamos na cauda da Europa

Casa Comum, 30 de Abril de 1929

 Espero que tenha gostado da nossa ida a São Carlos ouvir a Lina Pagliughi, cantar essa admirável Sonâmbula de Bellini A Pagliughi embora jovem, já é apontada por muitos para vir a ser uma diva de grande futuro, sucessora da Toti dal Monte, veremos já que pelo nosso S.Carlos, tem passado grandes nomes quando ainda não são mais do que esperanças, parece que Lisboa lhes dá sorte. 

 Algo ainda por se perceber completamente, foi a ideia decretada pelo governo do dr.Salazar de proibir o estabelecimento de novas empresas ou fábricas na indústria moageira nacional, 

A explicação em tempo de crise só pode ser a da tentativa de centralização para obter um melhor rendimento,mas espero que esta seja uma medida passageira e não venha a reflectir um condicionamento industrial generalizado. 

 Em contrapartida minha cara Severa, contaram que no dia 21 de Abril, teve lugar uma Conferência Nacional clandestina,do jovem Partido Comunista Português que elegeu um tal Bento Gonçalves, para secretário-geral, com a tarefa central da reorganização daquele partido da oposição, tão fustigado tem sido pela repressão. 

 Chegou-me à mão um documento do jornal interno em que propõem Na primeira linha constituíra-se um Comité de Defesa Sindical (com a tarefa de direcção nas questões reivindicativas imediatas do proletariado), ao qual aderiram os sindicatos do Arsenal da Marinha, do Pessoal dos Transportes, dos Ferroviários, dos Barbeiros e dos Alfaiates. 

Essa estrutura funcionava como um agrupamento, tendo por finalidade ligar os sindicatos e os comités de fábrica, de empresa, de oficina e núcleos de sindicalistas revolucionários, articulando formas legais, semi-legais ou clandestinas do trabalho sindical, e estimulando as minorias comunistas nos sindicatos reformistas a romper com a acomodada coexistência pacífica que o rotineirismo sindical vinha alimentando.

Já adivinho que se está interrogando, se não terei uma nova costela vermelha. Já lhe disse minha amiga, tenho por certo uma costela dessa cor, mas não sou comunista e toda a gente que for oposição ao mafarrico da Viseu, tem a minha atenção. 

Além disso esse relatório do Militante tem coisas interessante, números sobre a realidade da vida económica portuguesa neste ano de 1929, transcrevo-lhos A massa assalariada de Portugal, do ponto de vista numérico, acha-se assim repartida: operários agrícolas – 1.350.000; operários industriais e dos transportes – 650.000. Nas duas principais cidades do país temos: operários industriais – 77.977 (Lisboa) e 39.658 (Porto); transportes – 11.497 (Lisboa) e 5.624 (Porto); comércio – 34.987 (Lisboa) e 19.370 (Porto); profissões liberais – 12.286 (Lisboa) e 2.844 (Porto). Os efectivos sindicais em todo o país são aproximadamente 35.000, contando com os efectivos da CGT – 10.000; os efectivos dos sindicatos reformistas – 2.500 a 3.000; os efectivos dos sindicatos isolados ou autónomos – 16.000, aproximadamente.» 

E além disso com nota final deixo-lhe esta nota confrangedora Relativamente aos trabalhadores da Europa, os operários industriais de Portugal ocupam o último lugar do ponto de vista do valor dos salários. O salário dum operário em Lisboa cifra-se em 42% do de um operário de Londres (salário médio).

É com esta nota miserável da nossa situação, que me despeço.

29 de outubro de 2008

Pessoa em flagrante delitro

Casa Comum, 28 de Fevereiro de 1929

Amigos comuns já nos têm acusado de estarmos sempre a falar de mortos e de pessimismo em relação ao futuro de Portugal, se neste caso, nada posso fazer, porque os factos não nos deixam ter esperança, já no que à necrofilia permito-me contesta-los, nem sempre assim é, como é o caso de hoje venho falar-lhe de vida, que é sinónimo de juventude.

Assim me foi descrita, a presença dum jovem e promissor maestro alemão de 28 anos, que se estreou há dias em Salzburgo, e parece vir a ser um promissor maestro, vá registando, chama-se Herbert von Karajan.

Interessante também meu caro, foi o negócio entre os fascistas do Mussolini e a Santa Sé, assinado no dia 11. Aquilo se por um lado vem concluir a velha querela do poder temporal do Papa, limitando-o à zona do Vaticano e do castelo Gandolfo, mas abdicando de outros territórios, a troco uma indemnização financeira pelas perdas territoriais durante o movimento de unificação da Itália (Para ajuda das alminhas claro), concedendo o Estado fascista italiano, inúmeras vantagens ao clero, mas duas eu saliento a abolição do divórcio, e a mais importante que foi a compra do do silêncio político da Igreja Católica.

Ficou determinado que o papa deveria jurar neutralidade eterna em termos políticos, concederam-lhe a hipótese de poder actuar como mediador em assuntos internacionais, mas só quando fosse solicitado.

Foi assim que o Tratado de Latrão fechou a boca a Pio XI e sabe-se lá a quantos mais que se lhe seguirão.

O meu amigo deve ter lido a entrevista do Salazar, ao Diário de Notícias de há uma semana por considerar que um dos vícios dos portugueses é pensar que o Estado deve ser o protector da sua incapacidade e o banqueiro inesgotável da sua penúria.

Naturalmente que estou pronta a reconhecer, que existe no povo português a tendência, para esperar, que sempre apareça um Sebastião, para o aparar e proteger, isso obviamente que pode se considerado um defeito, mas não pode deixar de se atender às realidades concretas, de cada povo.

Para se ser ambicioso, ter espírito de iniciativa, criatividade, enfim todos os requisitos, para que um povo se liberte, siga o seu caminho, sem esperar as migalhas que possam cair da mesa do poder, é preciso muito mais do que ser
miseravelmente pobre, analfabeto e doente, como é esta gente que se arrasta pelas ruas de Lisboa ou pelos campos, sem o mínimo de condições para se poder superar, sem o amparo Estatal, se Salazar se demitir dessa função, pode equilibrar as finanças acabar com o deficit público, mas condena o seu povo, à morte lenta pela via do sofrimento

Referiu ainda o homem que para alguns, o Estado é o inimigo que não é crime defraudar

Terá razão por certo, mas também lhe digo, meu amigo, que nesse caso mais uma vez as responsabilidades cabem inteirinhas ao Estado e em especial ao próprio, não é então ele o Ministro das Finanças a quem compete (ou deveria competir), que cuide das Finanças Públicas ?, organize-se e veja antes de mais quem nos defrauda a todos.

Deixo-lhe esta foto que o Fernando Pessoa me entregou e que foi tirada há dias na adega do Abel Pereira da Fonseca e como o próprio disse "fui apanhado em flagrante de litro"


27 de outubro de 2008

Ópera no fim de ano

Casa Comum, 31 de Dezembro de 1928 A morte de Sebastião Magalhães de Lima, no passado dia 7 de Dezembro, desencadeou fortes manifestações oposicionistas, que em torno da sua personalidade se encontraram para mais uma vez contestar a ditadura "militar-pontifical" que se desenha no panorama político cada vez mais acentuadamente, Você sabe amiga que eu não sou maçon, como o nosso homem dos sete-ofícios, advogado, jornalista, etc. mas acima de tudo rico, que dá imenso jeito, para se construir uma vida de independência, como aliás ele nas suas memórias não deixou de reconhecer "penso que é pela independência material que se consegue a independência moral", Tudo isso é verdade minha amiga, muito embora para alguns a independência material, nunca é suficiente para alimentar a enormidade da sua imoralidade, mas isso digo eu. Embora advogado de formação, é nos jornais que encontra a sua vocação e o livre curso, par dar asas ao seu republicanismo, nas páginas de O Seculo que ajudou a fundar e já lá vão quase 50 anos, embora esse jornal, já não conte com a sua participação. Figura de grande prestígio também no estrangeiro, é um dos símbolos da República e é essa imagem que os manifestantes pretendem enaltecer, contrapondo à Ditadura, como não podia deixar de ser. Magalhães de Lima, nunca quis cargos públicos, para além duma passagem fugaz como ministro da Instrução em 1915, era nos últimos anos um homem desiludido, sobretudo depois da candidatura frustada à Presidência da República. Hoje passagem do ano, vou reunir alguns amigos aqui em casa esperando que a minha amiga se reuna a nós para ouvirmos integralmente a Cavalleria Rusticana acha boa ideia ? Apareça tenho chá e bolinhos e os os votos que 1929 seja bem melhor.

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22 de outubro de 2008

O Bolero e as listas do Sporting

Casa Comum, 30 de Novembro de 1928

Cara amiga Severa

Não cheguei a contar-lhe, mas no dia 5 de Outubro, 18º aniversário da implantação da República, fui ao campo assistir a um jogo de foot-ball entre o Sporting Clube de Portugal e o seu rival de Lisboa, um tal Benfica.

Houve a particularidade de na 2º parte entrarem em campo, com outras camisolas, já que chovera bastante e desta vez, com uma equipe completamente diferente do habitual, listadas a verde e branco horizontalmente, contou-me o meu amigo Stromp, que por acaso já as haviam estreado fora de Portugal, no Brasil onde fomos jogar em digressão histórica neste Verão.

Toda a gente se agradou muito do novo visual, para mais baptizado com uma vitória por 3 a 1 sobre o rival Benfica.

Tínhamos esta camisola




e agora passamos a ter mais esta





Estou a contar-lhe isto, bem farto de saber que a minha amiga é toda da Academia de Coimbra, por causa dos estudos e do nascimento. Mas já agora aproveito para a saudar, pelo 8º aniversário do assalto que se tornou famoso e ficou conhecido como a Tomada da Bastilha no dia 25 de Novembro. Fica o registo para quem quer conhecer a vossa história

Quem não se terá aventurado em Coimbra, na vida sã do desporto, foi por certo o nosso beirão das Finanças. Vicente de Freitas vai de remodelação em remodelação, parece que mesmo à medida, segundo os gostos de Salazar, no que aos seus amigos diz respeito. Mário de Figueiredo na Justiça. Mesquita Guimarães nos Negócio Estrangeiros, o Cordeiro Ramos na INstrução e mais o que ai vier, são mesmo indicações que qualquer dia, Freitas se remodelará a si próprio.

Nós e as nossas compensações, vamos apesar de tudo, minimizando os efeitos dos desvarios, que nos cercam, mas e o povo ?, muitos, a maioria por certo nem ler sabe, como faz para mitigar as agruras da fome das dificuldades da vida ?

Ravel estreou o bolero na Ópera Garnier em Paris.

14 de outubro de 2008

A Opus Dei abençoa o trabalho não o salário

Casa Comum, 31 de Outubro de 1928

O meu amigo deve ter lido nos jornais que no dia 2 de Outubro, foi criada por um tal Josémaria Escrivá de Balaguer uma instituição da Igreja Católica, chamada Opus Dei, que em latim como sabe quer dizer Obra de Deus

A sua missão consiste em difundir a mensagem de que o trabalho e as circunstâncias habituais são ocasião para um encontro com Deus, para o serviço aos outros e para melhorar a sociedade.

Concretamente, o Opus Dei procura difundir a vida cristã no mundo, no trabalho e na família, a chamada universal à santidade e o valor santificador do trabalho quotidiano.

Perturba-me o aparecimento deste tipo de instituições, transportando estas filosofias de escravização, ou se achar a palavra um pouco exagerada, substituo por subordinação do trabalho ao capital, para mais usando-se a benção do manto episcopal, que você sabe tão bem como eu a importância que têm neste País ainda que o Republicanismo ateu, se esforce por passar outra mensagem, foram séculos de evangelização e isso tem o seu peso.

Dir-me-á que essa coisa da Opus Dei, é uma espanholada e por lá há-de ficar, a ver vamos se não se esparrama para cá.

Repare na expressão valor santificador do trabalho quotidiano, não se referindo nunca ao facto desse trabalho santificador, exigir uma remuneração justa e adequada, posto assim como ele enunciam, quase apetecer dizer que se propõe, o trabalho grátis, já que se oferece a contrapartida da beatificação.

Decididamente essa coisa dos pobrezinhos, felizes e pelos visto agora santos, a mim não me convence.

Muito mais interessante foi o anuncio que tivemos da descoberta da penicilina, por um médico escocês Alexandre Fleming, que com seus estudos durante a Guerra Mundial como membro do Corpo Médico do Exército Real e perturbado com o alto índice de soldados mortos por ferimentos infeccionados, começou a questionar a efectividade do tratamento de tecidos doentes ou danificados com os anti-sépticos que estavam sendo usados.

Numa série de testes brilhantes, demonstrou que esse produtos, mais prejudicavam do que ajudavam, já que matavam células do sistema imunológico, facilitando ainda mais o aumento da infecção.

Parece que acabou por descobrir essa tal penicilina, um pouco por acaso, dir-se-á por um "acidente benigno", se me é permitida a expressão, mas vamos ter esperança que um dia se possa produzir esse tal antídoto em quantidade suficiente para liquidar de vez os acidentes infecciosos.

Tenho uma novidade para si Luís de Freitas Branco acaba de editar a sua 2ª Sonata para Violino e Piano








11 de outubro de 2008

Medalha de bronze nos Olímpicos de Amesterdão

Casa Comum, 15 de Agosto de 1928

Cara amiga Severa

A vida afinal não é só composta de misérias, tristezas e desencontros, pelo menos regresso de Amesterdão banhado pela beleza da ilusão (será ?) do entendimento entre os povos, que os Jogos Olímpicos nos induzem.

Curiosamente esta 9ª edição foi a primeira edição da era moderna onde o Barão de Coubertin não esteve presente por doença a mesma onde pela primeira vez a chama olímpica se manteve acesa durante toda a duração dos jogos.

O grande momento para mim foi quando um remador australiano, parou para deixar passar uma família de patos que atravessava em fila frente ao seu barco e mesmo assim , conseguiu ganhar e acabaria por conquistar a medalha de ouro na final.

Fiquei feliz , sobretudo pela amiga Severa pois as mulheres tiveram o direito de competir pela primeira vez nos jogos, apesar das objeções do Papa Pio IX sempre reaccionária a Igreja Católica Apostólica Romana, insiste em menosprezar o papel das nossas companheiras.

O importante é competir, mas até obtivemos alguns resultados interessantes, mas só uma medalha de bronze, na esgrima por equipas. Enfim é a nossa pequenez, mas apesar de tudo viemos medalhados, entre 46 nações presentes.

Pois aproveito a viagem por forma a estar presente na estreia em Berlim da Ópera de 3 vinténs de Bertolt Brecht no dia 31 deste mês, depois lhe conto em pormenor, minha cara amiga.

Ai no nosso cantinho disseram-me que o "nosso" beirão das Finaças apresentou um orçamento para o ano que vem, com um superavit de 1577, eis reflexo da ditadura das finanças, mas presumo minha cara amiga que infelizmente não serei eu nem você, que vamos apertar o cinto, para o homem cumprir esse desiderato, são sempre os mesmos que já passam fome e morrem tuberculosos.

Despeço-me com a notícia da morte recente de Janacek um músico checo, que sei a minha amiga gostar muito, por me recordar ouvirmos a Sinfonietta em sua casa.


3 de outubro de 2008

Vamos ter um super-polícia

Casa Comum, 31 de Julho de 1928

É de facto maravilhosa a sensação que colhi da visita que lhe fiz, onde à volta do nosso cházinho em fim de tarde, ouvir essa soberba
9ª Sinfonia do nosso Beethoven, como gostamos de lhe chamar.

A música de Beethoven, tem realmente qualquer coisa de empolgante, libertador, apetece sair para a rua e gritar Liberdade, ou vivas à Republica, de cujos ideais nos vamos afastando cada vez mais e infelizmente não só em Portugal, veja o rumos dos acontecimento por exemplo na Itália do sr.Mussolini e seus fascistas.

Por cá foi criada uma Intendência Geral de Segurança Pública, que engloba a GNR a PSP e todas as outras polícias, que ao que se me constou v
ai ser comandada por um super-polícia, Ao que me disseram fala-se no Coronel Mouzinho de Albuquerque.

Os generais situacionista, estão cada vez com mais força, o primeiro-ministro o agora general Vicente de Freitas, parece-me encalhado (apesar de tudo), entre o Carmona, presidente da Republica e o crescentemente preponderante Salazar, SÒ ministro das Finanças mas que tanto agrada ,aos militares afectos ao regime.

Estão presas já centenas de pessoas, mas os inúmeros levantamentos que se registam por todo o Pais parecem-me inconsequentes, por falta dum elemento catalizador. Os movimentos políticos novos e que poderiam, trazer alguma "frescura " revolucionária, ultrapassando os velhos conceitos republicanos ou o sindicalismo anarquista, ainda são demasiado jovens para se imporem, pelo menos foi o que depreendi, há dias quando falei com um recente militante do Partido Comunista, de nome Bento Gonçalves, oriundo dos quadros do Arsenal do Alfeite, onde era torneiro mecânico, mas já ali desenvolvera uma grande actividade sindical, embora só tendo 26 anos.


Enfim à maneira de Breton termino por hoje citando-o "A palavra Liberdade é tudo o que me exalta ainda"

28 de setembro de 2008

Em Portugal o trânsito é pela direita

Chegada da Argentina onde assisti ao nascimento do jovem Ernesto, filho da minha amiga Célia, viagem de que guardo excelentes recordações, que lhas contarei brevemente.

De volta è nossa Lisboa, muito me surpreendeu o facto de finalmente ver o caótico transito da nossa cidade, ser regulamentado e por força da publicação do código da estrada, passarem os veículos a circular pela direita, entre outras regras, é preciso não esquecer que existem em Portugal hoje mais de 30.000 encartados e cerca de 28.000 veículos registados.

O trânsito político, também cada vez mais pela direita e com sentido único. Em marcha acentuada lá vamos andando pela ditadura financeira do espartilho acolitado pela clique militar que na sequência da romaria do mês passado, continuam afirmar o seu apoio incondicional a Oliveira Salazar

Salazar agradece os cumprimentos dos oficiais da guarnição militar de Lisboa: é a ascensão dolorosa dum calvário. No cimo podem morrer os homens, mas redimem-se as pátrias!.,disse no seu tom de sacristão.

Há dias falou-se aqui na causa do movimento sufragista e dos direitos das mulheres. Quero a propósito lembrar o falecimento, no passado dia 14 de Junho, de Emmeline Pankhurst a corajosa lutadora inglesa

Finalmente, a chamada Lei da Representação Popular, que concedia o direito de voto às mulheres, foi aprovada algumas semanas antes da sua morte. Ela que havia sido a figura central desta luta, ainda assistiu em vida à sua vitória.

Acabo falando de novo na Argentina, dum jovem cantador de tangos, chamado Carlos Gardel, não porque seja argentino, porque o seu local de nascimento é controverso, para uns terá nascido no Uruguai, para outros na europeia Toulouse. O próprio diz com muita graça "Nasci em Buenos Aires aos dois anos e meio de idade".

Lançou agora um novo tango chamado Adios muchachos, mas como não consegui obter a gravação , deixo aqui a seu tema de estreia, chamado Mi noche triste



Já agora meu caro amigo, aproveito para o convidar a passar pelo meu espaço novo, agora que o comecei a arrumar, para ouvir do nosso Beethoven a Eróica.

Casa Comum, 30 de Junho de 1928

22 de setembro de 2008

Chegou a ditadura das Finanças

Minha cara Severa

Lamento que vc, não tenha podido acompanhar-me ao Chiado Terrasse quando há dias fui ver o novo filme do Charlie Chaplin, a que chamou o Circo. Recordo ainda como gostou daquele outro que vimos já há um tempo o Garoto.



De facto ese jovem comediante inglês tem imenso talento, muito embora como tantos outros seus colegas me pareça também não querer aderir aos novos tempos do sonoro, neste caso justificado, porque me parece que o seu tipo de trabalho com esta figura de Charlot, só tería a perder "sonorizando" a sua voz.

Era o que precisavam de perceber alguns políticos que por aí andam, mudos, prestavam melhor serviço ao País.

Já sei que você está de partida para a Argentina, para acompanhar a sua amiga Celia de la Serna, que recentemente foi mãe, nos primeiros tempos de vida do filho que me disse chamar-se Ernesto.

O nosso Charlot das finanças, o insignificante beirão, começa a ganhar peso no governo do Vicente de Freitas de tal modo que já se fala numa DITADURA DAS FINANÇAS, tomando conta por dentro da própria estrutura do governo, com o apoio militar pois veja bem que no segundo aniversário do 28 de Maio, os oficiais da guarnição militar de Lisboa, presidida por Domingos de Oliveira vão visitar Salazar agradecendo-lhe a obra feita.

Muito embora em pouco tempo, o homem já se fez uma reforma orçamental (14 de Maio), onde se proíbe a criação de novas despesas sem autorização do ministério das finanças, como disse o Fernando Pessoa aí está a Ditadura das Finanças.

Salazar passa a ter como subsecretário de Estado do Orçamento Guilherme Luiselo Alves Moreira, desde 4 de Maio. O respectivo chefe de gabinete é Antero Leal Marques, antigo funcionário das finanças de Coimbra. Mantém a colaboração activa do director-geral da fazenda e secretário-geral do ministério Alberto Xavier, republicano convicto e antigo chefe de gabinete de Álvaro de Castro, que chegara a estar preso, durante um mês, em 1927. Outro elemento colaborador, proveniente da anterior máquina republicana, é o governador do Banco de Portugal, Inocêncio Camacho.

É esta minha amiga pois a equipe da Ditadura Financeira, com militares a ajudar não me agrada pensar que se vá eternizar.

Ouvi dizer que o Shostakovitch estreou uma ópera chamada o Nariz, enquanto não sabemos nada sobre isso aqui fica a Second Waltz.


Casa Comun, 31 de Maio de 1928

14 de setembro de 2008

Um dia talvez as mulheres possam votar

Pela segunda vez depois de Sidónio Pais, um Peresidente da República Portuguesa, foi eleito pelo voto popular e foi assim que Óscar Carmona, que já assumira a presidência interinamente se viu sufragado como o 11º Presidente da República.

Tomou posse em 15 de Abril passado e nomeou a 18 um novo governo sob a presidência do Coronel José Vicente de Freitas, um militar madeirense agraciado com a Torre e Espada, por distinção em actuação na guerra Mundial.

Assim se mascara a ditadura de democrática, fazendo crer que o acto eleitoral, os pode legitimar

Pergunto-me o que fará um militar na chefia do governo, especialista em cartografia, conhece-se dele uma planta de Lisboa ao que me dizem de notável qualidade técnica e artística, duvido que tais atributos sejam suficientes para levar a nau a bom porto. Deus queira que me possa enganar, para bem de Portugal.

Para ele reservou igualmente a pasta do Interior, Silva Monteiro para a Justiça, na Guerra Morais Sarmento, na Marinha Mesquita Guimarães, nos Estrangeiros Bettencourt Rodrigues, Duarte Pacheco na Instrução Pública e um tal Oliveira Salazar para as Finanças, que tomou posse há 3 dias no dia 27 de Abril, em vésperas de perfazer 39 anos.

Proclama então: sei muito bem o que quero e para onde vou, mas não se me exija que chegue ao fim em poucos meses. No mais, que o país estude, represente, reclame, discuta, mas que obedeça quando se chegar à altura de mandar.

Como conceito para "início de vida", parece-me encerrar desde logo uma certa visão excessivamente "independentísta", face a eventuais opiniões discordantes.

Este mês o jornal Novidades publicou uma entrevista coma Drª Paulina Luisi , por acaso a primeira mulher uruguaia a formar-se em medicina e entre as suas multiplas actividades dedica-se à defesa dos direitos das mulheres, entre eles o direito ao voto, não só obviamente das mulheres uruguaias mas ás de todo o Mundo, incluindo as portuguesas (acrescento eu), que tão longe estão desses direitos.

No Portugal de hoje, declara-se que as mulheres portuguesas são inimigas irreconciliáveis da República, e que, conceder-lhes o voto, seria transformar Portugal numa antecâmara do Vaticano-

A Drª Paulina Luisi é pois um exemplo a seguir por todas as mulheres, ele que também é fundadora do Partido Socialista do Uruguai, mas socialismo e direitos das mulheres são ainda entre muitas coisas conceitos proibidos por aqui, que o digam a Drªs Elina Gumarães, Adelaide Cabete, entre outras, que seguem o exemplo da Drª Beatriz Ângelo que conseguiu votar em 1911,
contornando a lei que só permitia votar aos cidadãos maiores de 21 anos que fossem chefes de família ou que soubessem ler e escrever, (ela era médica, mãe e viúva)

Para evitar estes contornos foi modificada o direito abrangendo somente pessoas do sexo masculino.


Casa Comum, 30 de Abril de 1928

6 de setembro de 2008

Existirá vida para além do deficit ?



Minha cara amiga Severa, tenho estranhado a sua ausência, tanto assim que aceitei o seu convite de subir aos seu cantinho, para ouvir uma coisa que me deu saudade e que tenho pena de não ter partilhado com a minha cara amiga. "Desembrulhei" a sua vasta colecção Beethoven e deliciei-me com a sempre maravilhosa Sonata nº2 em dó sustenido menor op.27 a Sonata ao luar.

Deu-me para me lembrar de Rilke falecido em 1926, porque também mais uma vez seguindo os seus avisados conselhos é na arte que podemos encontrar lenitivo, para os dias cinzentos que vivemos.

Recordo-lhe este poema e que dizer dele, aparenta arrogância de sentir quase divino, mas ostenta a sua (e nossa) indiscutível pequenez, não acha

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?
Eu sou o teu vaso - e se me quebro?
Eu sou tua água - e se apodreço?
Sou tua roupa e teu trabalho
Comigo perdes tu o teu sentido.

Depois de mim não terás um lugar
Onde as palavras ardentes te saúdem.
Dos teus pés cansados cairão
As sandálias que sou.
Perderás tua ampla túnica.
Teu olhar que em minhas pálpebras,
Como num travesseiro,
Ardentemente recebo,
Virá me procurar por largo tempo
E se deitará, na hora do crepúsculo,
No duro chão de pedra.

Que farás tu, meu Deus? O medo me domina.

Por cá os nossos pequenos "deuses", que espero efémeros, continuam a sua ascenção ao poder, culminada com a "eleição" de Carmona para Presidente da Republica. Rica eleição esta quando aos opositores é proibida a actividade política, muito embora a operação de maquilhagem da polícia política especial de Lisboa e Porto, tenha dado lugar "apenas" a uma Polícia de Informações do Ministério do Interior.

Por mim sempre me assustaram as criações, dos super polícias, mesmo que sejam só rotulados de Informadores.

O Sínel de Cordes continua a levar nas lonas dum tal António de Oliveira Salazar, nas páginas do Novidades, que ataca ferozmente a política do Ministro das Finanças. Claro que parece ser oposição, mas quanto a mim e a outras pessoas mais dadas às questões da Economia, não deixam de considerar correctos os seus pontos de vista, naturalmente muito mais abalizados por ser um regente de Finanças e de Economia Política de Coimbra, do que as medidas preconizadas pelo general Sínel, que toma medidas da ... corda

Diz-lhe o Oliveira Salazar que foi um erro o Sínel ter "esmolado" um grande empréstimo internacional, sem ter garantido um prévio restabelecimento orçamental.

Provavelmente o Sínel de Corde está convencido que existe vida para além do deficit.

Casa Comum, 31 de Março de 1928

1 de setembro de 2008

Como tornar nossos dias menos escuros

Quero dizer-lhe meu caro amigo que não perca de vista um jovem chileno de apenas 23 anos e que dá pelo pseudónimo de Pablo Neruda.

Já tive oportunidade de ler esse seu livro de estreia, que chamou Crepusculário e que lhe deixo na secretária da sua biblioteca, para que passe, uma leitura atenta, como é seu hábito


Sei que ele também já publicou em 1924 mais vinte poemas de amor e uma canção desesperada, onde destaco um deles, para mim de rara beleza onde diz

Quero apenas cinco coisas..

Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono

A terceira é o grave inverno

Em quarto lugar o verão

A quinta coisa são teus olhos

Não quero dormir sem teus olhos.

Não quero ser... sem que me olhes.

Abro mão da primavera para que
continues me olhando.


Sei que o meu amigo, tal como eu, anda apreensivo, com os rumos da vida política portuguesa, cada vez mais longe dos ideais republicanos, aproximando-se das ditaduras fascistas europeias, como estamos a assistir acontecer aqui ao lado nos "nuestros hermano" e em Itália.

Faça como Neruda mas passe a desejar 6 coisas, inclua a Liberdade, sem a qual essa outras 5 sabem a nada.


O Sinel de Cordes, nas Finanças, soube à pouco ,recusou as soluções apresentadas para a remodelação do sistema fiscal, apresentadas pela comissão que foi criada e presidida por um tal Oliveira Salazar.


O Golpe dos Fifis em Agosto, também não deu em nada. Tenho como certo que um golpe, qualquer golpe militar, só terá êxito se envolver um causa nacional e popular.

Mas meu caro não era um golpe deste tipo que nós ansiamos, já que desta vez este golpe dos Fifis, não é mais do que questão interna dentro da própria ditadura.

Contestação a Sínel de Cordes a sua substituição por outra flor do mesmo jardim, não é objectivo, poderá ser para Morais Sarmento, mas não para os republicanos liberais.

Curioso é o nome que a imaginação popular já baptizou por Fifis, Filomeno mais Fidelino de Figueiredo, mas na prática não são mais do que divergências envolvendo o
Integralismo Lusitano e as suas figuras mais proeminentes.

Há muito tempo que não falamos de música, soube que o nosso Rachmaninov, está nos Estados Unidos, provavelmente descontente com o rumo dos acontecimentos políticos na sua pátria Russa.

Deixo-lhe para recordar o 1º andamento do seu Piano Concerto nº 2.

Querendo ouvir o resto o meu amigo já sabe, é só subir e ao meu cantinho.

Rachmaninov e Neruda são as minhas propostas de hoje, para um dia menos escuro, não é afinal para isso que serve a arte ?

Casa Comum, 31 de Agosto de 1727

Temas e Instituições