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31 de janeiro de 2009

Politicamente só existe o que o povo sabe que existe.

Casa Comum, 29 de Dezembro de 1933

Prezada amiga

Li com muita atenção a sua última missiva e realmente surpreendeu-me o seu interesse mais aprofundado pelas coisas da política, mas realmente os tempos que correm deixam-nos de tal forma apreensivos com o futuro, que não podemos passar ao lado, como se não fosse nada connosco.

Veja bem como as coisas estão na Alemanha, desde que o ditador do bigodinho, o nazi Hitler assumiu o poder, (está quase a fazer um ano no próximo dia 30 de Janeiro), especialmente no que aos judeus diz respeito, tem vindo sempre em crescendo, primeiro o boicote contra os comerciantes, depois a decisão, que os cargos de funcionários públicos passassem a ser exclusivos dos arianos. Que ele definiu como a raça de eleição, altos e louros, a raça perfeita e os outros que o não sejam, tal como ele no grande grupo dos normais. Começando a esboçar a ideia, da existência dum sub-raça, os judeus, que pelos vistos para ele, valem menos que os seus cães.

Há dias o bardino, anunciou ao mundo uma nova aberração a esterilização em massa dos portadores de deficiências físicas e mentais para evitar defeitos hereditários, na busca da raça pura. Pelos vistos o pequeno nazi, julga-se Deus.

Admirou-me, entretanto que Pio XI tenha assinado uma Concordata com os nazis, muito embora sendo o representante do governo alemão nas negociações, o Ministro Franz von Papen, católico, que declarou aos jornalistas que as relações entre o Vaticano e o Reich eram tão amigas que em oito dias apenas a Concordata fora acertada até em seus mínimos pormenores.

Por conseguinte, em Julho de 1933 foi assinado um Acordo que assegurava que certas actividades da Igreja Católica no plano educacional, no da juventude e no de Encontros e Congressos ficavam garantidas por lei do Reich.

O nosso ditador continua a organizar tudo de acordo com as "normas ", criando um "Pacote Corporativo", envolvendo tudo o que no seu conceito, faria falta è "felicidade do povo!, o Estatuto do Trabalho Nacional, a criação de grémios para os patrões, os sindicatos nacionais e as casas do povo, para os trabalhadores. Tudo organizado a bem da Nação e da sua própria vontade.

. Para evitar maçadas desnecessárias aos trabalhadores, foi proibido o direito à greve e naturalmente ordenada a dissolução de todos os sindicatos livres se até ao dia 31 Dezembro não tiverem transformado os estatutos, de acordo com a "norma" e a autorização acessória do Subsecretário de Estado das Corporações.

Curiosa e inesperada cambalhota do Rolão Preto, o fundador nazi do nacional-sindicalismo, Movimento de tipo fascista, conhecido pelos camisas azuis, o Nacional-Sindicalismo foi uma organização que conseguiu algum apoio nas universidades e na oficialidade mais jovem do Exército português.

Devido a incidentes nas comemorações de 1933 do 28 de Maio em Braga, onde houve confrontos entre os nacional-sindicalistas e a polícia, ao discurso de Rolão Preto de 16 de Junho, numa sessão no São Carlos, claramente anti-salazarista, o jornal Revolução acabou por ser suspenso em 24 de Julho.

Restabelecido fugazmente em Setembro seguinte - saíram só três números - o Nacional-Sindicalismo dividiu-se em Novembro quando um grupo, o mais numeroso,liderado por Supico Pinto e José Cabral, decidiu apoiar Salazar e integrar-se na União Nacional, abandonando assim as ideias de independência, perante o novo regime defendidas por Rolão Preto e Alberto Monsaraz.

Francamente não esperava esta reviravolta Rolão Preto, e confesso não fazer ideia como irá acabar. Aliás não precisamos de saber nada, pois como diz o chefe Salazar politicamente só existe, o que o público sabe que existe.

Você sabe o quanto eu gosto de pianos-concerto, para varia hoje sugiro o de Aaron Copland, um contemporâneo que estreou este seu Piano concerto em 1927

25 de janeiro de 2009

Normas e ministros da propaganda


Casa Comum, 15 de Novembro de 1933

Meu amigo

Fui há dias ao São Luís ver a Canção de Lisboa, um filme do Continelli Telmo, como o Vasco Santana e a Beatriz Costa e o António Silva,uma comédia muito viva e bem disposta, que gostei muito, até porque suponho ser uma inovação entre nós.

Li com muita atenção o que vc me disse sobre a nova constituição e para que não diga que eu não me ligo à política, veja bem que até li alguns artigos.

A impressão que fico, é que as liberdades das pessoas o seu bem mais precioso, está cada vez mais ameaçado. Veja por exemplo que o artº 8º da Constituição diz defender"
a liberdade de pensamento sob qualquer forma", mas no n.º 20 refere-se que "leis especiais regularão o exercício da liberdade de pensamento".

Claro que não se trata dum simples erro, é premeditado, porque ao mesmo tempo que se publica a Constituição se estabelece um regime de Censura Prévia onde abertamente se diz que a função da censura será "
impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida por forma a defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração e o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da organização da sociedade" .

Está tudo dito é o governo que reserva para si os critérios do que seria a verdade, a justiça, a moral, etc.

Então com este exemplos, sobre a vida política em Portugal, realmente mais vale dedicar-mo-nos ao que vale a pena a Arte.

Soube que vão criar o Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha, para perseverar as obras do nosso pintor, primeiro presidente da SNBA falecido recentemente.

Bastante desiludida fiquei, foi com o Almada Negreiros, por ter aceite criar o cartaz "Votai a Constituição".

Não esperava que cedesse ao convite do António Ferro do SPN-Secretariado da Propaganda Nacional, é uma cedência ao propagandista do Salazar. Como vê meu caro Luís, posso não ser militante anarquista, mas há coisas, por mais insignificantes que possam parecer, das quais não abdico.


Ainda a propósito de arte e liberdades ou falta delas no dia 29 de março, a direcção da UFA a produtora alemã de filmes, demitiu funcionários judeus, causando o segundo grande êxodo de artistas alemães para o exterior.

"A arte é livre e deve continuar livre, mas tem de se adaptar a certas normas!" Esta frase foi dita pelo ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels.

Curiosa esta analogia entre respeito pelas normas e ministros da propaganda do governo nazi de Hitler e governo "democrático" de Salazar.

Hoje convido-o a ouvir o Piano concerto nº 2 de Bela Bartok que estreou este ano em Frankfurt, outro artista que me disseram já deixou a Alemanha, provavelmente por causa das "normas".



19 de janeiro de 2009

A constituição de 1933

Casa Comum, 30 de Abril de 1933

Cara amiga

Hoje não é dia das mentiras, mas se fosse era apropriado para falarmos da nossa nova Constituição, que o Estado Novo, "fez aprovar", para se legitimizar. Começa a mentira pela forma cautelosa como o governo não quis perder o plebiscito realizado, para aprovar o documento. De forma matreira e bem à sua maneira, Salazar fez aprovar em Fevereiro uma lei em que se estabelece que, por comodidade, no plebiscito, as abstenções contarão como votos positivos.

Foi Salazar a jogar a back se me permite a "foot-bolada", mas não foi preciso, o plebiscito constitucional, deu-lhe uma larga vantagem em 11 de Abril passado 1 213 159 votantes. Contra apenas 5 955. Abstenções 487 364 e 60% de votos favoráveis, não era portanto necessário o artifício.

Contudo, apesar de tudo a constituição promete, sobretudo em matéria do que se pode chamar genericamente, direitos, liberdades e garantias, alguma coisa, que vamos ver se a Ditadura arranja forma de os negar

O Presidente da República é consagrado como o primeiro poder dentro do Estado, detendo o poder executivo, que partilha com o governo; o poder legislativo pertence essencialmente à Assembleia Nacional.

Apesar de tudo na Constituição vigora a subordinação do Presidente do Conselho ao Presidente da República, a questão é pensar que Oscar Carmona não se atreverá nunca a demitir Oliveira Salazar.

O processo eleitoral, demonstrou que existem duas ou três forças, blocos que esgrimem com armas desiguais, a ditadura no poder para durar por certo, os comunistas, anarquistas e outros correntes revolucionárias, "habitando" algumas franjas do débil tecido proletário português e os republicanos, largo grupo com várias tendências, defendendo os velhos princípios da liberdade recolhidos da 1ª Republica.

Vendo-se o caso de Vicente de Freitas, que publicou no O Século uma exposição contra o projecto de Constituição de Salazar. Considerando que dentro do 28 Maio, além da corrente nacionalista há outra francamente republicana, que, sem nenhuma maneira defender o regresso à desordem política criada pela Constituição de 1911, é francamente liberal e democrática. Condena a UN como partido se um dia ela viesse de facto a ser a única organização política permitida em Portugal, os seus aderentes constituiriam uma casta privilegiada que pretenderia confundir-se com o próprio Estado e se julgaria no direito de reclamar todas as benesses e situações ... a primeira Assembleia Nacional a eleger será de facto nomeada na sede da União Nacional e no Ministério do Interior e representará, não a vontade da nação, mas a vontade do Governo ... se o Estado tem realmente de ser forte, o pensamento não pode deixar de ser livre.

Salazar reagiu de imediato e demitiu Vicente de Freitas de Presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Este é o verdadeiro carácter de Salazar, Vicente de Freitas um republicano conservador e inspirador da União Nacional. Entre vários cargos políticos foi ministro do interior e presidente do ministério de 18 de Abril de 1928 a 8 de Julho de 1929, foi demitido de imediato logo que ousou discordar do chefe supremo, imagine-se o que acontece a quem estiver mais distante politicamente.

Assim (des)andamos nós

Por hoje fico-me a ouvir pela janela o Adagio em sol menor de Albinoni que o nosso vizinho do terceiro esquerdo, felizmente não se cansa de tocar no seu gramofone.

Créditos:prof. Adelino Maltez

15 de janeiro de 2009

A União Nacional deles

Casa Comum, 31 de Dezembro de 1932

Cara amiga

Desta vez não deixo as notas musicais para o fim, já que a novidade musical é de peso, pelo menos para si, Ravel estreou no dia 14 de Janeiro um Piano Concerto em sól, realmente magnífico, na linha bem moderna da sua música.

O Notícias Ilustrado descobriu há dias extraordinárias semelhanças entre uma figura dos painéis de Nuno Gonçalves, pintados no sec XV e o Dr.Salazar, não faltando por certo entre algumas mentes mais "salazareiras", encontrarem ai alguma premonição divina.

Os adeptos do reviralho, os nossos como gosto de dizer, também exageram, nas teses contrárias sugerindo algum retoque premeditado no quadro, o que é manifestamente destemperado já que o restauro da obra foi acabada em 1910, por mestre Luciano Freire, o que é absurdo, pois nessa época o jovem António estava ainda longe de deter qualquer notoriedade.

Eis em pleno funcionamento a recém criada União Nacional, com o seu núcleo duro bem definido pela Comissão Central (Salazar, Bissaya Barreto, Manuel Rodrigues, Lopes Mateus, Armindo Monteiro) e a Junta Consultiva (Passos e Sousa, João Amaral, Pinto Coelho, Caetano, Linhares de Lima, Alberto dos Reis).

A declaração de princípios fê-la o chefe, no discurso de tomada de posse, com a assassinato da democracia em papel passado e nas seguintes palavras "Fora da UN não reconhecemos partidos. Dentro dela não admitimos grupos… nós temos uma doutrina e somos uma força.

António Ferro é o chefe do Secretariado de Propaganda Nacional, o tambor de ressonância de Salazar, que entrevista o ditador cujo o trabaho começa a ser publicadas no Diário de Notícias e posso afirmar, sem receio de errar que estamos em presença do "encenador do regime", Ferro não transcreve o que Salazar diz,"retém as ideias e encena-as", a paisagem de fundo, como vc sabe é de uma Lisboa pobre mas alegre, as pessoas não têm gramofones, (nós somos a excepção e por esse motivo deveríamos ser infelizes ) mas com canário na gaiola".

Bem estamos a acabar mais um ano, em que lhe faço os votos de sempre par si e para o País, mas acabo com uma nota diferente, sobre a minha aposta para o filme que irá vencer o Óscar deste ano, não posso esquecer-me da Greta Garbo e do seu trabalho no Grande Hotel.

11 de janeiro de 2009

A morte de D.Manuel II

Casa Comum, 31 de Julho de 1932

Minha prezada amiga

A sua conhecida simpatia pela causa monárquica, faz-me endereçar-lhe os meus sinceros votos de pesar pela morte no passado dia 2 de D.Manuel II, em Londres onde se encontrava exilado.

A notícia é que D.Manuel, tinha ido no dia anterior a Wimbledon assistir a um jogo de ténis, organizado pelo Old England Club, de que aliás era sócio. Ter-se-á sentido mal à saída, queixando-se da garganta.

No dia seguinte, o médico, proibiu a sua saída de casa, que lhe causou grande pesar, já que no dia seguinte havia o casamento da filha do seu fiel servidor e amigo António Pereira.

O certo é que não melhorou, foi sempre piorando e por certo por muita incúria do seu médico assistente, acabou por falecer com um edema da glote, que acabaria por o sufocar, quando um simples abertura exterior na garganta, ter-lhe-ia por certo salvo a vida.

De um modo geral, a notícia foi recebida com alguma consternação, até porque a figura de D.Manuel de Bragança, não era antipática e mesmo da parte dos mais arreigados republicanos, havia a noção óbvia que ele não era nem nunca foi o responsável pelos erros da monarquia.

Na sua residência em Fulwell Park, velou-se o corpo, do último rei de Portugal, que faleceu com 42 anos nas circunstâncias infelizes, que lhe descrevi.Para o funeral, além de sua mãe, chegaram de Portugal, muitos dos seus amigos

O cortejo fúnebre, teve a presença de todos eles e claro de sua mãe D.Amélia de Orleans e da sua viúva D.Augusta Vitória, dirigindo-se para Weybridge, para o jazigo dos condes de Paris, na cripta da igreja de São Carlos Barromeu, onde ficou sepultado a aguardar o regresso a Portugal.

Só no dia seguinte a urna seria transportada para Westminster, para serem rezadas as solenes exéquias com a presença das principais casas reais europeias.

Soube-se no passado dia 10 que o Salazar, mandou publicar uma nota oficiosa, onde diz que "atendendo ao desejo manifestado pelo sr. D.Manuel, que o seus restos mortais repousasse na Pátria e do patriotismo que sempre deu provas, resolveu-se tomar a iniciativa da sua transladação, fixando-se oportunamente o programa das cerimónias a realizar".

Tanto quanto está anunciado, chegará no próximo dia 2 de Agosto, o cruzador Concord, que a Grã-Bretanha cederá. para transportar os seus restos mortais, que ficarão em câmara ardente na nave central da Estação Sul e Sueste, seguindo depois para o Mosteiro de São Vicente de Fora, onde ficará sepultado junto a seu Pai e irmão.

A nota musical de hoje é o Stabat Mater de Rossini

6 de janeiro de 2009

Salazar chefia OFICIALMENTE o governo

Casa Comum, 06 de Julho de 1932

Cara amiga

Andávamos a adivinhar, infelizmente digo, que o Oliveira beirão, haveria de suceder ao já politicamente falecido há muito tempo, o primeiro-ministro Domingos de Oliveira, o "oliveira seca", há muito subjugado pela preponderância do seu ministro das Finanças, Salazar, sob a tutela dos militares, conduzida pelo presidente Carmona.

É assim que surge o 8º governo da Ditadura implantada em 28 de Maio de 1928, sendo Salazar o primeiro civíl a ocupar o cargo desde essa data. No discurso de posse, declara: os homens são outros, o Governo é o mesmo. Salienta, aliás, que nem todos os processos políticos servem para todos os tempos ou para todos os povos: os homens de governo têm, necessariamente, de actuar segundo o seu modo de ser e segundo as realidades do momento. Mantêm-se apenas Armindo Monteiro (colónias) e Cordeiro Ramos (justiça).mais os novos ministros, Albino Soares Pinto dos Reis , Manuel Rodrigues, Daniel Rodrigues de Sousa, Aníbal de Mesquita Guimarães, César de Sousa Mendes do Amaral Abrantes, Duarte Pacheco, Sebastião Garcia Ramires.

Ou me engano muito ou veio para ficar muito tempo, assim ele saiba manter as boas graças dos militares. A confiança de Carmona em Salazar é notável, já que nas comemorações do 28 de Maio deste ano, o condecorou com a Torre e Espada.

Entretanto os orçamentos com superavit, mesmo com o impacto da crise de 1929, do "mago das finanças" agravam a situação dos trabalhadores. Pão ou trabalho, foi a palavra de ordem levada à rua, em 29 de Fevereiro, na jornada de luta marcada pelo Partido Comunista Português, a Comissão Inter-Sindical e a Federação Nacional das Juventudes Comunistas.

Alegam que a burgesia e o seu Estado, dizem que não tem fundos para sustentar os seus desempregados, mas têm 900 mil contos para renovar o material de guerra, 200 mil contos para barcos de guerra e milhares para alimentar um colossal quadro de oficiais, mas não tem fundos para socorrer os desempregados.

Foi assim que aconteceram greves e manifestações nessa data, na Marinha Grande, Setúbal, Lisboa e Algarve, ferozmente reprimidas pela forças policiais e que levaram à prisão, em Abril passado de 11 militantes do PCP.

Na Alemanha o Hindenburg foi eleito presidente da república na Alemanha, numas eleições em que concorreu o Adolf Hitler, como representante do NSDAP o partido nazi que felizmente ficou bem longe da eleição, mas o chanceler Von Papen, terá como missão trazê-los para o governo, pois apesar de terem perdido votos nas eleições de 1931, ainda são o maior partido do Reichstag.

República e jesuítas é uma coisa que não casa bem. em Janeiro deste ano o governo republicano espanhol expulsa-os, obrigando-os nomeadamente à dissolução das actividades académicas, tendo já começado a chegar cá, pelo menos o nosso ensino, para alguns da elite, vai beneficiar com isso.

Isto vai longo, por hoje despeço-me, mas quero deixar uma mensagem musical magnífica. Para recordar o Concerto para violino em sol menor op. 26 de Max Bruch um compositor e maestro judeu de origem alemã, falecido em 1920.


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