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27 de março de 2009

A criação da Mocidade Portuguesa

Casa Comum, 31 de Agosto de 1936

Cara amiga Severa

Estávamos a adivinhar o desenlace a guerra civil ,aqui ao lado na vizinha Espanha. As últimas eleições que deram a vitória à esquerda unida, englobando todos os partidos tradicionais de esquerda, mais os anarquistas, os republicanos e os autonomistas da Esquerda catalã, os galegos e o Partido Nacional Basco. Essa coligação, venceu as eleições de Fevereiro passado, dominando 60% das Cortes, derrotando a Frente Nacional, composta pelos direitistas.

Esta Frente, perante tão ampla maioria. resolve pegar em armas, promoveu um levantamento militar liderado por um tal Francisco Franco, iniciando e escalada da revolta anti-democrática, exactamente pelo enclaves sob dominação espanhola em Marrocos.

Registemos a data de 18 de Julho de 1936, para assinalar o início deste conflito, que tudo indica, vai ser violentíssimo e que por certo atendendo ao facto de decorrer à nossa porta, vai por certo obrigar Salazar a tomar medidas, que de todo, vão ser desfavoráveis ao governo republicano espanhol, democraticamente eleito.

Conhecendo os seus princípios, basta sabermos que esse governo corresponde a uma unidade de esquerda, composta por socialistas e comunistas, para se perceber,que preferirá alinhar, pelas forças reaccionárias e fascistas da Frente Nacional, embora possa até, "jesuiticamente" nunca o admitir, mascarando-se de falsa equidistância.


O pequeno revés da morte em Cascais do general Sanjurgo, o principal dirigente da Frente Nacional, num desastre de avião, que partindo de Portugal o levaria para Espanha, no passado dia 20 de Julho, não fará por certo emperrar os planos de tomada de poder pela força da Frente Nacionalista.

Salazar continua preocupado com o alinhamento político dos militares, pelo que decidiu impor a sua autoridade, nomeando-se em acumulação sine die a pasta do Ministério da Guerra. Prova da sua desconfiança, não delegando em ninguém a coordenação daquele sector

A tendência para copiar as instituições fascistas alemães e italianas mantém-se, desta vez atingindo os mais jovens, criando a Organização Nacional Mocidade Portuguesa pelo Decreto-Lei n.º 26 611, de 19 de Maio de 1936, em cumprimento do disposto na Base XI da Lei n.º 1941, de 19 de Abril de 1936.

Pretendia abranger toda a juventude - escolar ou não - e atribuía-se, como fins, estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do carácter e a devoção à Pátria, no sentimento da ordem, no gosto da disciplina, no culto dos deveres morais, cívicos e militares.

Os princípios inquestionáveis os objectivos, servir para criar a idolatria pelo chefe, bem expresso no significativo S, que todos ostentavam na fivela do cinto, bem como reveladora, também seja a saudação nazi do braço estendido, seguindo os padrões daquela ideologia.

A minha sugestão filmica de hoje, vai para o musical Show Boat de James Whale e em especial para uma passagem musical que acho vai gostar Old man River, cantado por Paul Robeson.

Quanto à musica vou convida-la para um serão mozartiano .


16 de março de 2009

Os infelizes tempos modernos

Casa Comum, 31 de Março de 1936

Caro amigo

Será possível que estejamos condenados a viver num mundo de ditadores ? Parece que os velhos tempos, a velha ideologia, se agarra aos argumentos mais violentos para assegurar a sua continuidade. Por certo que os principais alvos a abater passam pelos mesmos de sempre a inteligência e a cultura, os seus interpretes mais notáveis.

Foi o que aconteceu no Brasil e na ditadura do Getúlio Vargas, que em Março de 1936,mandou prender o grande escritor brasileiro Graciliano Ramos, acusado sem que a acusação fosse formalizada, de ter conspirado no levantamento comunista que houve em Novembro do ano passado. Foi preso em Maceió e enviado para o Recife, onde foi embarcado com destino ao Rio de Janeiro no navio, com outros 115 presos.

Mas mais do que a política eu lamento sempre o desaparecimento de pessoas da cultura, independentemente da sua cor ou da sua ideologia, sei que é um exagero dizer isto, mas é para mim tão importante a Arte e a cultura, que desculpo "qualquer coisinha", mesmo que isso possa reflectir um desvio em relação à minha maneira de pensar.

Quero dizer com isto que morreu em Bombaim no dia 18 de Janeiro, Rudyard Kipling, o prémio nobel da Literatura em 1907. Normalmente considera-se Kipling o principal representante da literatura imperialista, mas esta interpretação é superficial, se se aprofundar na sua obra , as preocupações com a relação entre os dominadores brancos e a população indígena, estão lá ainda que ele não seja exactamente um revolucionário

Para outros as suas principais obras Kim e O Livro das Terras Virgens, são convencionalmente consideradas obras infantis, mas que realmente não o são, moralistas ? por certo que sim, mas voltam sempre à realidade das relações sociais no Império Britânico, a sua grande preocupação.

Deixo a parte final do poema If (é muito extenso )

Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre...
Se vivendo entre os reis, conservas a humildade...
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade...

Se quem conta contigo encontra mais que a conta...
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minute se espraie em séculos fecundos...

Então, á ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!...
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.

Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um homem!...
-( tradução de Féliz Bermudes)

Também fui à estreia do último filme de Charlie Chaplin os Tempos Modernos, já foi ver ?



A mensagem musical de hoje é um retorno a Maurice Ravel e á sua Rapsódia espanhola.



9 de março de 2009

Morreu o Fernando Pessoa



Casa Comum, 29 de Dezembro de 1935

Cara amiga


A morte do Fernando Pessoa, no dia 30 de Setembro passado, foi algo que me marcou muito, embora tenha passado despercebido da maioria das pessoas, pois como você sabe, só no ano passado se publicou a Mansagem o único volume dos seus versos em português, publicado em vida, espero que como é habitual na nossa terra, os poetas e as pessoas de valor, só são homenageados depois de morrer, espero que Pessoa venha a ser reconhecido.

Estive presente em muitos dos cafés da nossa Lisboa, onde ele parava, muito embora também fossem largos os seus tempos de solidão. Tempo houve em que o ouvi defender o doutor Salazar, muito embora nos últimos anos, tivesse "mudado a agulha" por completo e muito bem, porque se existe algo mais contrário ao feitio de Pessoa, é o autoritarismo.

Ultimamente têm aparecido um poemas satíricos que confirmam o que eu disse


António de Oliveira Salazar
Três nomes em sequência regular...
António é António
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está tudo bem.
O que não faz sentido
É o sentido que isso tudo tem

Relativamente recente também é a sua paixão pela astrologia e pela reencarnação, como se prova por uma coisa que escreveu, sobre o desaparecimento do astrólogo inglês Aleister Crowley, que tinha vindo a Lisboa para o conhecer e que segundo a polícia terá sido assassinado.

Disse Pessoa a propósito disso O Crowley, que depois de suicidar-se passou a residir na Alemanha, escreveu-me há dias.

Eu sei que você adora o Fernando Pessoa, talvez depois me queira dar a sua opinião sobre ele, mas para já deixo-lhe um dos poemas dele que mais gosto.

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansar-mo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.

O resto da nossa vida política actual é mais do mesmo, são tentativas de revolta como a do Rolão Preto, que regressara do exílio. Planeou-se um ataque ao quartel da Penha de França em Lisboa, mas a PVDE, que sabe tudo, gorou os intentos dos revolucionários, comandados por Mendes Norton, integrando militares e civis republicanos e nacionais-sindicalistas, que tinham como objectivo estratégico forçar o presidente Carmona demitir Oliveira Salazar. A consequência foram prisões e várias deportações.

No mês passado continuaram as prisões, sobretudo no interior do Partido Comunista, que embora na clandestinidade é a única força que continua a manter uma actividade regular e organizada da resistência à Ditadura Foi preso Bento Gonçalves o secretário-geral do PCP, que o era desde Abril de 1929, mais outras figuras do secretariado Júlio Fogaça e José de Sousa

E cá estamos de novo no fim de mais um ano, os votos são sempre os mesmos, que o próximo ano nos tragam o fim deste regime .

O meu convite musical para hoje é uma volta por Tchaikovsky vamos ouvir a Francesca de Rimini.


Temas e Instituições