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21 de novembro de 2007

Denuncia: Feminicídio no Congo


Feminicídio no Congo
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Por Eve Ensler


Dramaturga, artista e ativista, Eve Ensler é a autora premiada de “Monólogos da Vagina”, peça que foi traduzida para mais de 45 línguas e está em exibição em teatros em todo o mundo.
Eve Ensler tem dedicado sua vida à luta contra violência. É fundadora de V-Day, um movimento global que apoia organizações anti-violência em todo o mundo. Chama à atenção do público para a luta contra a violência mundial contra as mulheres (incluindo violação, espancamento, incesto, mutilação genital feminina, escravidão sexual).


Volto do inferno. Procuro desesperadamente uma maneira para lhes contar o que vi e ouvi na República Democrática do Congo. Procuro uma maneira para lhes narrar as histórias e as atrocidades, e, ao mesmo tempo, evitar que fiquem abatidos, chocados ou afetados mentalmente.

Procuro uma maneira de lhes transmitir o meu testemunho sem gritar, sem me imolar ou sem procurar uma AK 47. Não sou a primeira pessoa que denuncia as violações, as mutilações e as desfigurações das mulheres do Congo. Existem relatórios a respeito deste problema desde 2000.

Não sou a primeira que conta essas histórias, mas, como escritora e militante contra a violência sexual contra as mulheres, vivo no mundo da violação. Passei dez anos a ouvir as histórias de mulheres violadas, torturadas, queimadas e mutiladas na Bósnia, Kosovo, Estados Unidos, Cidade Juárez (México), Quênia, Paquistão, Haiti, Filipinas, Iraque e Afeganistão. E, apesar de saber que é perigoso comparar atrocidades e sofrimentos, nada do que eu tinha escutado até agora foi tão horrível e aterrorizador como a destruição da espécie feminina no Congo.

A situação não é mais do que um feminicídio, e temos que a reconhecer e analisar como tal. É um estado de emergência. As mulheres são violadas e assassinadas a toda hora. Os crimes contra o corpo da mulher já são horríveis por si. No entanto, há que acrescentar o seguinte: por causa de uma superstição que diz que, se um homem viola mulheres muito jovens ou muito idosas, obtém poderes especiais, meninas de menos de doze anos de idade e mulheres de mais de oitenta anos são vítimas de violação.

Também é necessário acrescentar as violações das mulheres em frente de seus maridos e filhos. Mas a maior crueldade é a seguinte: soldados soropositivos organizam comandos nas aldeias para violar as mulheres, mutilá-las. Há relatos de centenas de casos de fístulas na vagina e no reto causadas pela introdução de paus, armas ou violações coletivas. Essas mulheres já não conseguem controlar a urina ou as fezes. Depois de serem violadas, as mulheres são também abandonadas por sua família e sua comunidade.

No entanto, o crime mais terrível é a passividade da comunidade internacional, das instituições governamentais, dos meios de comunicação... a indiferença total do mundo perante tal extermínio. Passei duas semanas em Bukavu e Goma entrevistando as sobreviventes. Algumas eram de Bunia. Efetuei pelo menos oito horas de entrevistas por dia. Almocei e fui a sessões de terapia com essas mulheres. Chorei com elas. O nível de atrocidades supera a imaginação. Não tinha visto em nenhuma parte esse tipo de violência, de tortura sexual, de crueldade e de barbárie.

No leste do Congo existe um clima de violência. Nesta zona as violações tornaram-se, tal como me disse uma sobrevivente, um “desporto nacional”. As mulheres são menos do que cidadãs de segunda classe. Os animais são mais bem tratados. Parece que todas as tropas estão implicadas nas violações: as FDLR, as Interahamwe, o exército congolês e até as Forças de Paz da ONU. A falta de prevenção, de proteção e a ausência de sanções são alarmantes.

Passei uma semana no Hospital de Panzi, vivendo em uma aldeia de mulheres violadas e torturadas. Era como uma cena de um filme de terror futurista. Ouvi histórias de mulheres que viram os seus filhos serem brutal e cinicamente assassinados. Mulheres que foram forçadas, sob a ameaça de armas, a ingerir excrementos, a beber urina ou a comer bebês mortos. Mulheres que foram testemunhas da mutilação genital dos seus maridos ou, durante semanas, violadas por grupos de homens. Essas mulheres faziam fila para me contar as suas histórias. Os traumas eram enormes e o sofrimento extremamente profundo.

Sentei-me com mulheres que tinham sido cruelmente abandonadas por suas famílias. Eu quero lhes falar da Noella. Mudei-lhe o nome para a proteger porque ela só tem nove anos de idade. Noella vive dentro de mim agora, persegue-me, leva-me a agir, a lembrar. Ela é magra, muito inteligente e viva. O dano está no seu corpo ligeiramente torto, envergonhado, preocupado. Ela sente a ansiedade nos seus pequenos dedos. Começa a contar a sua história como se ainda vivesse. Para ela o tempo parou.

Uma noite as Interahamwe vieram à nossa casa. Eles não deixaram nada. Pilharam nossa casa. Levaram a minha mãe para um lado, o meu pai para outro e a mim para outro. Levaram-me para o mato. Um deles pôs qualquer coisa dentro de mim. Não sei o que foi. Um disse para o outro, não faça isso, não faça mal a uma criança. O outro me bateu. Eu fiquei sangrando. Ele me bateu mais e eu caí. Depois me abandonou. Passei duas semanas com os soldados. Eles me violaram constantemente. Às vezes usavam paus. Um dia me deixaram no mato. Tentei caminhar até a casa do meu tio. Consegui, mas estava demasiado fraca. Tinha febre. Estava muito mal. Cheguei até a casa. O meu pai tinha sido morto. A minha mãe voltou, mas em muito mau estado. Comecei a perder a urina e as fezes sem controle. Depois minha mãe percebeu que eles tinham me violado e destruído. Eles registraram o que tinha me acontecido e me trouxeram para cá. Estou contente por estar aqui. Já não perco a urina e ninguém ri de mim. Os rapazes riem de mim. Já não tenho vergonha. Deus julgará aqueles homens, porque eles não sabem o que fazem. Quero me restabelecer. Também penso em como eles mataram o meu pai. Sempre que penso no meu pai as lágrimas caem pelo rosto.”

O Dr. Mukwege, que, tanto quanto posso dizer, é um tipo de médico “santo” no hospital, disse-me que a uretra da Noella está destruída. Sendo tão jovem, ela não tem tecido suficiente para operar. Terá de esperar oito anos. Oito anos de vergonha e humilhação. Oito anos em que será forçada a recordar todos os dias o que aqueles homens lhe fizeram na floresta, antes dela ter idade suficiente para saber o que era um pênis. Ela é incontinente. O médico me disse: “O que acontece a essas jovens é terrível. Elas têm muito medo de serem tocadas por homens. Às vezes leva semanas até eu conseguir tratá-las. Dou-lhes bombons e trago-lhes bonecas.

As mulheres sofrem imensamente. Estão debilitadas pelas violações, as torturas e a brutalidade. Não têm praticamente apoio nenhum. Depois de viver essas atrocidades, são incapazes de trabalhar nos campos ou de transportar coisas pesadas, por isso deixam de ter renda. Vi chegar pelo menos doze mulheres por dia a essa aldeia. Chegavam mancando e apoiadas em bengalas feitas à mão. Várias mulheres contaram-me que “as florestas cheiravam à morte”, e que “não se podia dar nem cinco passos sem tropeçar com um corpo”.

para lerem todo o artigo fica aqui o link:
http://www.viapolitica.com.br/fronteira_view.php?id_fronteira=117

12 comentários:

GRaNel disse...

O retrato é arrepiante e avassalador. É revoltante e gritante. Para nós, povos Europeus, isto está lá bem longe e portanto, não incomoda, - não nos chega aos olhos. Não que possa fazer muito, mas junto a minha voz ao coro de protestos.

No relato de Noella, houve algo que me chocou, "Deus julgará aqueles homens, porque eles não sabem o que fazem". Eu não acredito em justiça divina. Quem comete estas atrocidades tem de pagar. Caro e aqui, na Terra.

Anónimo disse...

A imagem é brutal, não apenas pela violência da descrição, da narração na primeira pessoa,ou porque se trata de uma criança.

O abuso sexual como forma de agressão em situações de beligerância e conflito, é e sempre foi reconhecido como a mais brutal, chocante e intolerável, forma de agressão.

Não foi choque que senti ao ler o “post”, foi terror, mais uma vez acordam-nos do nosso sonho efémero de tranquilidade do conforto ocidental para nos dizerem “continua a acontecer”, e são mulheres e crianças como “as nossas” os alvos destas atrocidades, e cá continuamos nós placidamente.

Concordo em parte com o que é afirmado pelo Granel, mas já há muito que pergunto, a quem me quer ouvir, se efectivamente apenas nos resta protestar, se é que realmente nos preocupa.... Não é o primeiro relato, infelizmente não será o último, de que teremos noticia.

Concordo totalmente com ele, quando afirma que é entre os homens, e com a justiça deles que estes “selváticos”( perdoem-me não encontro outra palavra) devem ser punidos, pergunto-me como será feito? Mais um Ruanda? ou cairá no esquecimento como tantos outros?

maria faia disse...

Mas a Noella precis, com aquele idade, de acreditar em alguma justiça; ali, só poderá acreditar na justiça divina, não deve ter mais nenhuma em que possa acreditar.

Reparaste, que ela também fala nos soldados da ONU?
um horror

maria faia disse...

Também sentiste terror Otília!

ontem, depois de ler, e resolver editar aqui, estava enjoada e tive pesadelos toda a noite.

em que estadio estará a crueldade humana?
porque também existem soldados da ONU a fazer o mesmo.
estará pior ou igual aos alemães de Hitler?
RAIOS!

Luís Maia disse...

Absolutamente chocante e como dizes a nota sobre a participação de soldados da ONU, nesses horrores, exigirá uma tomada de atitude quer da ONU quer dos países provavelmente civilizados que façam parte dessa força militar.

Vou publicar isto no meu blogue, toda a gente tem que saber o que se passa, é preciso divulgar esta violência

xistosa, josé torres disse...

Quem esteve em África, tem uma visão diferente.
Há jovens com 9/10 anos, com seios, ou mamas, este será o termo mais correcto, mais bem delineados que outras com 14 ou 15 anos que já foram mães.
Muitas têm a 1ª menstruação, antes dos 10 anos.
O clima e as condições são desaquadas ás nossas leis sobre menores.

Mas há animalismo que não pode ficar impune, MAS FICA !!!
Por quase todo a África Central e Sul.
Estive no Botswana de passagem, na altura não havia HIV, nem sintomas de nada contagiante.

As virgens eram guardadas para o rei, que não podia comer todas as iguarias ...
Pude aproveitar-me de muitas situações ...
Mas muitas vezes até uma "mulher" nua enjoa! (falo em "mulheres" que não teriam mais de 12 anos)
Na Namíbia, que não era independente, era precisamente o mesmo, no Malawi ...
A mulher sempre foi considerada um ser inferior em qualquer cultura africana e não só.
Basta ficar por debaixo ...
Os homens ficavam a dormir e a mulher é que trabalhava a "lavra", o campo miserável da mandioca e de parcos cereais.

Dificilmente se modificará a mentalidade do preto e digo preto e não negro, porque, aos 60 anos, não mudo o que aprendi.
As duas cores: Branco-Preto!

Tenho diversos amigos que jogaram futebol no Boavista, que o ladrão, quer dizer, o capitão que foi corrido do exército por roubar, depois ilibado e passado à reserva como major, para não roubar mais, mandou vir de África.
Tratou-os bem, nisso defendo-o, pois lidei muito de perto ...

mas mesmo esses, ainda cá achavam que as mulheres eram "escravas".

Houve a ganância da colonização, mas não se deu cultura ou educação ..., (nem convinha!).

Agora vamos arrostar durante décadas, com a imbecibilidade, além da dos pretos, da incutida pelos brancos.

É necessário viver e conviver com eles, para nos apercebermos quão mentecaptos são ou fazem-se para levar a vida á custa da mulher.

A Eve Ensler assistiu a cenas de guerra, onde impera a brutalidade primata.
Não ao dia a dia dessas mulheres que pouco melhor é!

maria faia disse...

sim, Luis, acho bem.

Também acho que se deve divulgar!

Foi isso que pretendi

maria faia disse...

Mas repara Xistosa, que Eve Ensler, tem estado por todo o lado onde impera a guerra, mas tem-se sempre batido pelas mulheres, contra a excisão, pelas suas liberdades e etc.
tem feito um trabalho notável, e tem-no feito em África.

xistosa, josé torres disse...

A Eve Ensler, não pode conhecer o que se passa na intimidade de povos, que só à força das armas "aceitavam" o branco.
A mulher branca é um ser superior e depois debate-se o problema das religiões, digo melhor das seitas, que variam de tribo para tribo, que algumas assumem de corpo e alma e as condena ao impensável.

Não será no nosso tempo que se mudarão as mentalidades que séculos de incúria, desleixo, oportunismo, provocante e propositadamente se deixou prosseguir ... interessava a todos os colonizadores e os colonizados, machos, tinham a oportunidade de aproveitar o poderio branco.

Não estive muitos anos em África, cerca de 3 anos, mas ...
não digo mais nada, porque vou dizer o que não devo e que já prescreveu ... (estive de Agosto de 69 a Março de 72)
A mulher africana é mais dócil e terna ... mas tem que ser tratada como ser humano.

A Eve Ensler, sózinha, dificilmente parará a influência chinesa que encharca os homens de armas ...
O leão, mata para comer ...
Mas o homem armado, mata por prazer e para demonstrar o poderio animal ... mas mesmo armado, só se exibe perante seres indefesos ...

Alguém já tentou vomitar as tripas ???
Então tentem ... mas com cautela ...

maria faia disse...

Não prescreveu, não Xistosa.
Estiveste Três anos? não era suposto serem só dois?

Nunca tentei vomitar as tripas, mas infelismente estive perto, mesmo sem querer.

Ah! raios.

xistosa, josé torres disse...

Eu vomitei ...
pela boca e pelo cano da arma ...

Nasci assim, sou assim, serei assim e morrerei assim!

Fui em rendição individual ...
Cheguei e mandaram-me para o Norte, quase 4 meses ...
Não era ...
Fui para a zona dos Dembos, 16 meses
... Fiz de tudo, desde enfermeiro de duas Sanzalas, ou mais pomposamente de duas aldeolas, cozinheiro, curandeiro, psicólogo e professor da pré-primária até à 4ª classe.
Tive que aprender a ensinar aqueles problemas da instrução primária que se faziam de cabeça.
Não havia calculadoras.
Aprendi para ensinar ...
Por engano fui 4 meses para Cabinda.
Retrocedi e fui parar a Henrique de Carvalho, Mavinga, até já me esqueci que prendi o Ten.Coronel do Comando de Sector em Serpa Pinto.
Foi aí que cheguei, "obrigatoriamente" a tenente.

O 1º vencimento, deu-me três dias de inconsciente bebedeira e 10 dias de prisão - não oficial -, porque como todo o pessoal, perante uma arma, vendemos a alma ... e damos a carteira !!!
As almas ...
Comprei algumas ...
mas soltei-as ...
Politicamente nunca fui nada ..., mas era humano ...
vou publicar, antes de morrer, "A passagem".
Tenho a ajuda de alguns que lidaram comigo, pois tentei esquecer o martírio, alguns, até sabem coisas que me esqueceram,
Tenho reunido à terça feira, pois quero recordar-me do bom e do mau, pois nem tudo foram imbondeiros floridos - que muito poucos apreciaram - fui ferido, (sem gravidade e sem dar por isso imediatamente).

Talvez em meados de 2008 possa falar alto ...
agora limito-me, como o vaga-lume, a esvoaçar ...
Cumprimentos e
INTÉ !!!!!!

maria faia disse...

Ontem Xistosa, respondi ao teu comentário por duas vezes, e por duas vezes este sacana comeu, roubou ou sei lá, mas não ficou cá népias.

O que estava a tentar dizer...
era pedir desculpa por todos aqueles que não puzeram lá os pés, por serem filhos dos que defendiam o status quo.
estava a tentar pedir desculpa por todos os que como eu, não percebem nada do que lá aconteceu

desejar que "A Passagem" te corra bem, e que consigas, sem grande mossa, atravessá-la.

fica bem

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