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12 de fevereiro de 2008

DO PÃO E DO SOFRIMENTO


Q
uando os falcões roubaram o território aos patos e os obrigaram a viver numa pequena reserva sem as mínimas condições para uma vida decente, um vasto lamaçal enxameado de sujas clareiras e charcos mal cheirosos que, à primeira vista, mais não tinham para oferecer além do desconforto e as privações de um local onde nem os pauzinhos para os ninhos escapavam ao apodrecimento, quando as primeiras colunas daqueles patos desgraçados, arrebanhados à força, tiveram oportunidade de travarem impressões com aquele cativeiro de amargura e infortúnio, logo houve quem grasnasse que dali ninguém haveria de sair com vida.
Graças a Deus que tudo isso se passou há muito e, hoje em dia, só os mais velhos mesmo muito velhos é que ainda guardam na memória as histórias que lhes contaram aqueles que viveram o profundo desespero daqueles momentos.
Na verdade, quando os anciãos que encabeçavam os agrupamentos deram entrada nos domínios que os falcões lhes impunham como nova morada, a sensação que mais abundava naquelas almas era de uma estranheza que sustia as lágrimas mas, simultaneamente, também ofuscava a capacidade de discernimento relativamente a quaisqueres possibilidades de sobrevivência.
Como o poeta Gabriel haveria de cantar mais tarde, aquilo foi uma autêntica marcha da apatia.
Assim, não será de espantar que as primeiras vozes que se fizeram ouvir foram muito naturalmente as da fatalidade e da resignação. Patos e patas desfaleceram perante a incerteza quanto ao que fazer e logo entre eles correu o rumor de estarem a sofrer aquilo que consideravam um castigo divino.
Daí ao pranto miudinho e mudo de quem espera o vazio foi um movimento tão pequenino como lógico.
O velho Cassiel, o maior mergulhador de outras juventudes, chegou a grasnar que as nuvens deixariam de ter a companhia das asas dos patos.
Mas, nisto de multidões, há sempre quem pense de modo diferente e nunca desista de procurar o remédio para aquilo que está mal.
Foi o caso de Rafael, um pato de meia-idade que se juntou a uma série de outros indomados; por seu impulso, conjuntamente deram corpo à cata de uma solução.
O prodígio foi que depois de muito matutarem e palmilharem, lá houve alguém que soube descobrir o encanto de um trecho de salgueiros e arbustos numa ilhota orlada de juncos e dessa esperança se fez a discussão que iluminou os espíritos que acabaram por desencadear todo o rebuliço das mãos à obra para uma terra melhor.
Antes de mais, havia que formar um governo justo e capaz de trabalhar em prol de políticas benéficas para as diversas maiorias e minorias e, acima de tudo, era necessário dar trabalho às famílias para que todos pudessem ter pão e agasalho. Depois se esperaria que o labor de muitos conseguisse aumentar a riqueza que, a partir daí, a tempestade teria passado e, no horizonte, se fixaria a confiança de quem sabe o lugar que vai alcançar.
Foram anos de árdua lufa-lufa geral e dos pântanos se fizeram rias, aqui e ali com boas reservas de alimento, das ilhotas e das clareiras se fizeram sítios de aprazível hospitalidade e, com base num comércio sabiamente concretizado, conseguiram construir um país que rapidamente se passou a orgulhar de vender os seus encantos ao turismo sazonal de outras aves.
É claro que Rafael que, actualmente, Deus há muito já guarda em sua companhia, foi o primeiro Presidente daquela pátria arrancada à desgraça e às muitas lágrimas e suor do sofrimento e o povo, reconhecendo-lhe méritos e sabedoria, elegeu-o ainda mais duas vezes para aquele mais alto cargo.
E ainda hoje ele é recordado pela energia que das suas palavras saía e as forças que o seu exemplo incentivava.
A diferença está em que os patinhos que, nos dias que correm, nos bancos de escola, lhe estudam a vida e a obra, fazem-no com a barriguinha farta e com límpidos laguinhos para que depois se possam deixar sonhar com as suas brincadeiras.

4 comentários:

maria faia disse...

A Parábola é linda e muito bem escrita, como de costume.

Não estarei totalmente de acordo, com ela, mas maior parte, Luís, estou de acordo sim.

xistosa, josé torres disse...

Até me vieram as lágrimas aos olhos ... que bela descrição do meu Portugal !!!

Há! espera lá.
Se é uma parábola, não pode ser, porque o meu país é um tijolo ...

Peço desculpa pela minha ignorância!

maria faia disse...

gargalhadas!

olha que o princípio se calhar também é o nosso país...

xistosa, josé torres disse...

Parece que os "falcões" já se recusam a voar.
Temos mesmo que nos afogar nos submarinos do Portas.

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