Querendo ver outros blogs meus consultar a Teia dos meus blogs

31 de outubro de 2008

Estamos na cauda da Europa

Casa Comum, 30 de Abril de 1929

 Espero que tenha gostado da nossa ida a São Carlos ouvir a Lina Pagliughi, cantar essa admirável Sonâmbula de Bellini A Pagliughi embora jovem, já é apontada por muitos para vir a ser uma diva de grande futuro, sucessora da Toti dal Monte, veremos já que pelo nosso S.Carlos, tem passado grandes nomes quando ainda não são mais do que esperanças, parece que Lisboa lhes dá sorte. 

 Algo ainda por se perceber completamente, foi a ideia decretada pelo governo do dr.Salazar de proibir o estabelecimento de novas empresas ou fábricas na indústria moageira nacional, 

A explicação em tempo de crise só pode ser a da tentativa de centralização para obter um melhor rendimento,mas espero que esta seja uma medida passageira e não venha a reflectir um condicionamento industrial generalizado. 

 Em contrapartida minha cara Severa, contaram que no dia 21 de Abril, teve lugar uma Conferência Nacional clandestina,do jovem Partido Comunista Português que elegeu um tal Bento Gonçalves, para secretário-geral, com a tarefa central da reorganização daquele partido da oposição, tão fustigado tem sido pela repressão. 

 Chegou-me à mão um documento do jornal interno em que propõem Na primeira linha constituíra-se um Comité de Defesa Sindical (com a tarefa de direcção nas questões reivindicativas imediatas do proletariado), ao qual aderiram os sindicatos do Arsenal da Marinha, do Pessoal dos Transportes, dos Ferroviários, dos Barbeiros e dos Alfaiates. 

Essa estrutura funcionava como um agrupamento, tendo por finalidade ligar os sindicatos e os comités de fábrica, de empresa, de oficina e núcleos de sindicalistas revolucionários, articulando formas legais, semi-legais ou clandestinas do trabalho sindical, e estimulando as minorias comunistas nos sindicatos reformistas a romper com a acomodada coexistência pacífica que o rotineirismo sindical vinha alimentando.

Já adivinho que se está interrogando, se não terei uma nova costela vermelha. Já lhe disse minha amiga, tenho por certo uma costela dessa cor, mas não sou comunista e toda a gente que for oposição ao mafarrico da Viseu, tem a minha atenção. 

Além disso esse relatório do Militante tem coisas interessante, números sobre a realidade da vida económica portuguesa neste ano de 1929, transcrevo-lhos A massa assalariada de Portugal, do ponto de vista numérico, acha-se assim repartida: operários agrícolas – 1.350.000; operários industriais e dos transportes – 650.000. Nas duas principais cidades do país temos: operários industriais – 77.977 (Lisboa) e 39.658 (Porto); transportes – 11.497 (Lisboa) e 5.624 (Porto); comércio – 34.987 (Lisboa) e 19.370 (Porto); profissões liberais – 12.286 (Lisboa) e 2.844 (Porto). Os efectivos sindicais em todo o país são aproximadamente 35.000, contando com os efectivos da CGT – 10.000; os efectivos dos sindicatos reformistas – 2.500 a 3.000; os efectivos dos sindicatos isolados ou autónomos – 16.000, aproximadamente.» 

E além disso com nota final deixo-lhe esta nota confrangedora Relativamente aos trabalhadores da Europa, os operários industriais de Portugal ocupam o último lugar do ponto de vista do valor dos salários. O salário dum operário em Lisboa cifra-se em 42% do de um operário de Londres (salário médio).

É com esta nota miserável da nossa situação, que me despeço.

29 de outubro de 2008

Pessoa em flagrante delitro

Casa Comum, 28 de Fevereiro de 1929

Amigos comuns já nos têm acusado de estarmos sempre a falar de mortos e de pessimismo em relação ao futuro de Portugal, se neste caso, nada posso fazer, porque os factos não nos deixam ter esperança, já no que à necrofilia permito-me contesta-los, nem sempre assim é, como é o caso de hoje venho falar-lhe de vida, que é sinónimo de juventude.

Assim me foi descrita, a presença dum jovem e promissor maestro alemão de 28 anos, que se estreou há dias em Salzburgo, e parece vir a ser um promissor maestro, vá registando, chama-se Herbert von Karajan.

Interessante também meu caro, foi o negócio entre os fascistas do Mussolini e a Santa Sé, assinado no dia 11. Aquilo se por um lado vem concluir a velha querela do poder temporal do Papa, limitando-o à zona do Vaticano e do castelo Gandolfo, mas abdicando de outros territórios, a troco uma indemnização financeira pelas perdas territoriais durante o movimento de unificação da Itália (Para ajuda das alminhas claro), concedendo o Estado fascista italiano, inúmeras vantagens ao clero, mas duas eu saliento a abolição do divórcio, e a mais importante que foi a compra do do silêncio político da Igreja Católica.

Ficou determinado que o papa deveria jurar neutralidade eterna em termos políticos, concederam-lhe a hipótese de poder actuar como mediador em assuntos internacionais, mas só quando fosse solicitado.

Foi assim que o Tratado de Latrão fechou a boca a Pio XI e sabe-se lá a quantos mais que se lhe seguirão.

O meu amigo deve ter lido a entrevista do Salazar, ao Diário de Notícias de há uma semana por considerar que um dos vícios dos portugueses é pensar que o Estado deve ser o protector da sua incapacidade e o banqueiro inesgotável da sua penúria.

Naturalmente que estou pronta a reconhecer, que existe no povo português a tendência, para esperar, que sempre apareça um Sebastião, para o aparar e proteger, isso obviamente que pode se considerado um defeito, mas não pode deixar de se atender às realidades concretas, de cada povo.

Para se ser ambicioso, ter espírito de iniciativa, criatividade, enfim todos os requisitos, para que um povo se liberte, siga o seu caminho, sem esperar as migalhas que possam cair da mesa do poder, é preciso muito mais do que ser
miseravelmente pobre, analfabeto e doente, como é esta gente que se arrasta pelas ruas de Lisboa ou pelos campos, sem o mínimo de condições para se poder superar, sem o amparo Estatal, se Salazar se demitir dessa função, pode equilibrar as finanças acabar com o deficit público, mas condena o seu povo, à morte lenta pela via do sofrimento

Referiu ainda o homem que para alguns, o Estado é o inimigo que não é crime defraudar

Terá razão por certo, mas também lhe digo, meu amigo, que nesse caso mais uma vez as responsabilidades cabem inteirinhas ao Estado e em especial ao próprio, não é então ele o Ministro das Finanças a quem compete (ou deveria competir), que cuide das Finanças Públicas ?, organize-se e veja antes de mais quem nos defrauda a todos.

Deixo-lhe esta foto que o Fernando Pessoa me entregou e que foi tirada há dias na adega do Abel Pereira da Fonseca e como o próprio disse "fui apanhado em flagrante de litro"


27 de outubro de 2008

Ópera no fim de ano

Casa Comum, 31 de Dezembro de 1928 A morte de Sebastião Magalhães de Lima, no passado dia 7 de Dezembro, desencadeou fortes manifestações oposicionistas, que em torno da sua personalidade se encontraram para mais uma vez contestar a ditadura "militar-pontifical" que se desenha no panorama político cada vez mais acentuadamente, Você sabe amiga que eu não sou maçon, como o nosso homem dos sete-ofícios, advogado, jornalista, etc. mas acima de tudo rico, que dá imenso jeito, para se construir uma vida de independência, como aliás ele nas suas memórias não deixou de reconhecer "penso que é pela independência material que se consegue a independência moral", Tudo isso é verdade minha amiga, muito embora para alguns a independência material, nunca é suficiente para alimentar a enormidade da sua imoralidade, mas isso digo eu. Embora advogado de formação, é nos jornais que encontra a sua vocação e o livre curso, par dar asas ao seu republicanismo, nas páginas de O Seculo que ajudou a fundar e já lá vão quase 50 anos, embora esse jornal, já não conte com a sua participação. Figura de grande prestígio também no estrangeiro, é um dos símbolos da República e é essa imagem que os manifestantes pretendem enaltecer, contrapondo à Ditadura, como não podia deixar de ser. Magalhães de Lima, nunca quis cargos públicos, para além duma passagem fugaz como ministro da Instrução em 1915, era nos últimos anos um homem desiludido, sobretudo depois da candidatura frustada à Presidência da República. Hoje passagem do ano, vou reunir alguns amigos aqui em casa esperando que a minha amiga se reuna a nós para ouvirmos integralmente a Cavalleria Rusticana acha boa ideia ? Apareça tenho chá e bolinhos e os os votos que 1929 seja bem melhor.

<iframe width="560" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/6KbUzc617ps" title="YouTube video player" frameborder="0" allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen></iframe>


22 de outubro de 2008

O Bolero e as listas do Sporting

Casa Comum, 30 de Novembro de 1928

Cara amiga Severa

Não cheguei a contar-lhe, mas no dia 5 de Outubro, 18º aniversário da implantação da República, fui ao campo assistir a um jogo de foot-ball entre o Sporting Clube de Portugal e o seu rival de Lisboa, um tal Benfica.

Houve a particularidade de na 2º parte entrarem em campo, com outras camisolas, já que chovera bastante e desta vez, com uma equipe completamente diferente do habitual, listadas a verde e branco horizontalmente, contou-me o meu amigo Stromp, que por acaso já as haviam estreado fora de Portugal, no Brasil onde fomos jogar em digressão histórica neste Verão.

Toda a gente se agradou muito do novo visual, para mais baptizado com uma vitória por 3 a 1 sobre o rival Benfica.

Tínhamos esta camisola




e agora passamos a ter mais esta





Estou a contar-lhe isto, bem farto de saber que a minha amiga é toda da Academia de Coimbra, por causa dos estudos e do nascimento. Mas já agora aproveito para a saudar, pelo 8º aniversário do assalto que se tornou famoso e ficou conhecido como a Tomada da Bastilha no dia 25 de Novembro. Fica o registo para quem quer conhecer a vossa história

Quem não se terá aventurado em Coimbra, na vida sã do desporto, foi por certo o nosso beirão das Finanças. Vicente de Freitas vai de remodelação em remodelação, parece que mesmo à medida, segundo os gostos de Salazar, no que aos seus amigos diz respeito. Mário de Figueiredo na Justiça. Mesquita Guimarães nos Negócio Estrangeiros, o Cordeiro Ramos na INstrução e mais o que ai vier, são mesmo indicações que qualquer dia, Freitas se remodelará a si próprio.

Nós e as nossas compensações, vamos apesar de tudo, minimizando os efeitos dos desvarios, que nos cercam, mas e o povo ?, muitos, a maioria por certo nem ler sabe, como faz para mitigar as agruras da fome das dificuldades da vida ?

Ravel estreou o bolero na Ópera Garnier em Paris.

14 de outubro de 2008

A Opus Dei abençoa o trabalho não o salário

Casa Comum, 31 de Outubro de 1928

O meu amigo deve ter lido nos jornais que no dia 2 de Outubro, foi criada por um tal Josémaria Escrivá de Balaguer uma instituição da Igreja Católica, chamada Opus Dei, que em latim como sabe quer dizer Obra de Deus

A sua missão consiste em difundir a mensagem de que o trabalho e as circunstâncias habituais são ocasião para um encontro com Deus, para o serviço aos outros e para melhorar a sociedade.

Concretamente, o Opus Dei procura difundir a vida cristã no mundo, no trabalho e na família, a chamada universal à santidade e o valor santificador do trabalho quotidiano.

Perturba-me o aparecimento deste tipo de instituições, transportando estas filosofias de escravização, ou se achar a palavra um pouco exagerada, substituo por subordinação do trabalho ao capital, para mais usando-se a benção do manto episcopal, que você sabe tão bem como eu a importância que têm neste País ainda que o Republicanismo ateu, se esforce por passar outra mensagem, foram séculos de evangelização e isso tem o seu peso.

Dir-me-á que essa coisa da Opus Dei, é uma espanholada e por lá há-de ficar, a ver vamos se não se esparrama para cá.

Repare na expressão valor santificador do trabalho quotidiano, não se referindo nunca ao facto desse trabalho santificador, exigir uma remuneração justa e adequada, posto assim como ele enunciam, quase apetecer dizer que se propõe, o trabalho grátis, já que se oferece a contrapartida da beatificação.

Decididamente essa coisa dos pobrezinhos, felizes e pelos visto agora santos, a mim não me convence.

Muito mais interessante foi o anuncio que tivemos da descoberta da penicilina, por um médico escocês Alexandre Fleming, que com seus estudos durante a Guerra Mundial como membro do Corpo Médico do Exército Real e perturbado com o alto índice de soldados mortos por ferimentos infeccionados, começou a questionar a efectividade do tratamento de tecidos doentes ou danificados com os anti-sépticos que estavam sendo usados.

Numa série de testes brilhantes, demonstrou que esse produtos, mais prejudicavam do que ajudavam, já que matavam células do sistema imunológico, facilitando ainda mais o aumento da infecção.

Parece que acabou por descobrir essa tal penicilina, um pouco por acaso, dir-se-á por um "acidente benigno", se me é permitida a expressão, mas vamos ter esperança que um dia se possa produzir esse tal antídoto em quantidade suficiente para liquidar de vez os acidentes infecciosos.

Tenho uma novidade para si Luís de Freitas Branco acaba de editar a sua 2ª Sonata para Violino e Piano








11 de outubro de 2008

Medalha de bronze nos Olímpicos de Amesterdão

Casa Comum, 15 de Agosto de 1928

Cara amiga Severa

A vida afinal não é só composta de misérias, tristezas e desencontros, pelo menos regresso de Amesterdão banhado pela beleza da ilusão (será ?) do entendimento entre os povos, que os Jogos Olímpicos nos induzem.

Curiosamente esta 9ª edição foi a primeira edição da era moderna onde o Barão de Coubertin não esteve presente por doença a mesma onde pela primeira vez a chama olímpica se manteve acesa durante toda a duração dos jogos.

O grande momento para mim foi quando um remador australiano, parou para deixar passar uma família de patos que atravessava em fila frente ao seu barco e mesmo assim , conseguiu ganhar e acabaria por conquistar a medalha de ouro na final.

Fiquei feliz , sobretudo pela amiga Severa pois as mulheres tiveram o direito de competir pela primeira vez nos jogos, apesar das objeções do Papa Pio IX sempre reaccionária a Igreja Católica Apostólica Romana, insiste em menosprezar o papel das nossas companheiras.

O importante é competir, mas até obtivemos alguns resultados interessantes, mas só uma medalha de bronze, na esgrima por equipas. Enfim é a nossa pequenez, mas apesar de tudo viemos medalhados, entre 46 nações presentes.

Pois aproveito a viagem por forma a estar presente na estreia em Berlim da Ópera de 3 vinténs de Bertolt Brecht no dia 31 deste mês, depois lhe conto em pormenor, minha cara amiga.

Ai no nosso cantinho disseram-me que o "nosso" beirão das Finaças apresentou um orçamento para o ano que vem, com um superavit de 1577, eis reflexo da ditadura das finanças, mas presumo minha cara amiga que infelizmente não serei eu nem você, que vamos apertar o cinto, para o homem cumprir esse desiderato, são sempre os mesmos que já passam fome e morrem tuberculosos.

Despeço-me com a notícia da morte recente de Janacek um músico checo, que sei a minha amiga gostar muito, por me recordar ouvirmos a Sinfonietta em sua casa.


3 de outubro de 2008

Vamos ter um super-polícia

Casa Comum, 31 de Julho de 1928

É de facto maravilhosa a sensação que colhi da visita que lhe fiz, onde à volta do nosso cházinho em fim de tarde, ouvir essa soberba
9ª Sinfonia do nosso Beethoven, como gostamos de lhe chamar.

A música de Beethoven, tem realmente qualquer coisa de empolgante, libertador, apetece sair para a rua e gritar Liberdade, ou vivas à Republica, de cujos ideais nos vamos afastando cada vez mais e infelizmente não só em Portugal, veja o rumos dos acontecimento por exemplo na Itália do sr.Mussolini e seus fascistas.

Por cá foi criada uma Intendência Geral de Segurança Pública, que engloba a GNR a PSP e todas as outras polícias, que ao que se me constou v
ai ser comandada por um super-polícia, Ao que me disseram fala-se no Coronel Mouzinho de Albuquerque.

Os generais situacionista, estão cada vez com mais força, o primeiro-ministro o agora general Vicente de Freitas, parece-me encalhado (apesar de tudo), entre o Carmona, presidente da Republica e o crescentemente preponderante Salazar, SÒ ministro das Finanças mas que tanto agrada ,aos militares afectos ao regime.

Estão presas já centenas de pessoas, mas os inúmeros levantamentos que se registam por todo o Pais parecem-me inconsequentes, por falta dum elemento catalizador. Os movimentos políticos novos e que poderiam, trazer alguma "frescura " revolucionária, ultrapassando os velhos conceitos republicanos ou o sindicalismo anarquista, ainda são demasiado jovens para se imporem, pelo menos foi o que depreendi, há dias quando falei com um recente militante do Partido Comunista, de nome Bento Gonçalves, oriundo dos quadros do Arsenal do Alfeite, onde era torneiro mecânico, mas já ali desenvolvera uma grande actividade sindical, embora só tendo 26 anos.


Enfim à maneira de Breton termino por hoje citando-o "A palavra Liberdade é tudo o que me exalta ainda"

Temas e Instituições